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A COMÉDIA À ITALIANA

Terá sido Mario Monicelli, um dos nomes mais representativos da comédia à italiana, quem a definiu nestes termos: “trata em termos cómicos, divertidos, irónicos, humorísticos argumentos que são muitas vezes dramáticos. É isso que distingue a comédia à italiana de todas as outras comédias”. Surgida no prolongamento do neorrealismo, os seus títulos mais significativos aparecem entre meados dos anos 50 e finais da década de 70 do século passado. Muito revelador é o facto de esta comédia surgir algum tempo depois de terminada a II Guerra Mundial, depois da Itália começar a ultrapassar o desastre económico, político e social que a guerra provocara no seu tecido, numa altura em que o plano Marshall começava a dar alguns resultados, em que o boom económico explodia, em que a burguesia nacional de reorganiza, bem assim como as forças mais conservadoras. Tudo isso acarretou consequências diversas, umas positivas, outras negativas. Entre estas manifestou-se uma corrupção galopante, o surgimento de uma burguesia endinheirada de novos-ricos, uma desigualdade social mais radicalizada, uma progressiva descredibilização dos valores e uma ofensiva valorização do dinheiro dominando tudo e todos. As instituições políticas, religiosas, jurídicas (e tantas outras) são asperamente criticadas. Simultaneamente, ao lado do dinheiro que tudo compra, surge um hedonismo patológico, onde o sexo ocupa destacado lugar.
Olhando para o conjunto de filmes que compõem o essencial da comédia à italiana obteremos um curioso, e preciso, retrato de uma sociedade na sua complexidade e igualmente nos seus aspectos dominantes. Assiste-se ainda à evolução de momentos socioeconómicos, morais, políticos, o que se reflete nos usos e costumes quotidianos. Desde finais dos anos 40, inícios da década de 50 que a comédia à italiana ilustra, com particular acuidade, as transformações operadas numa sociedade que, de início, arruinada pela guerra que devastara o território e mortificara a sua população, se entrega a pequenos expedientes de economia paralela. Com a evolução económica, com o regresso de uma estabilidade social e politica, com o progresso tecnológico (que vai desde a democratização do automóvel, até ao aparecimentos dos eletrodomésticos), com a relativa solidez de uma classe média mais abastada (que lhe permite férias na praia ou no estrangeiro, usufruir das flutuações da moda, refeições fora de casa, ida a bares e festas nocturnas variadas), com a libertação da mulher que a leva a ombrear com o homem num tipo de vida por vezes mais “libertino”, com todas estas e outras particularidades, a sociedade entrou em esquemas de promoção social que roçam o arrivismo e a corrupção. A hipocrisia do reino das aparências e o culto por valores retrógrados estão igualmente na mira da comédia à italiana que tem, talvez, como característica dominante o facto de nunca ser uma comédia de uma só nota, mas de se cruzar com o drama, ou mesmo a tragédia. Na comédia à italiana nunca se ri despreocupadamente, mas quase sempre o fazemos cm problemas de consciência. Ri-se de pequenos e grandes vícios e pecados que nos deixam um sabor amargo.
Tendo como base estes temas, a comédia italiana exprime-se em dois tempos e dois níveis. Uma, mais amável e menos empenhada, é vista como um “neorrealismo rosa”. Outra, intelectualmente mais incisiva e culturalmente interventiva, revela um importante conjunto de cineastas como Dino Risi, Pietro Germi, Mario Monicelli, Luigi Comencini, Vittorio De Sica, Ettore Scola, Steno, Pasquale Festa Campanile, Antonio Pietrangeli, Lina Wertmüller, Luigi Zampa, Luigi Magni, Nanni Loy, Camillo Mastrocinque, Luciano Salce, Sergio Corbucci e alguns argumentistas de muito bom nível, basta citar Steno, Age e Scarpelli, Rodolfo Sonego, Sergio Amidei, Piero De Bernardi, Leo Benvenuti, Ettore Scola ou Suso Cecchi D'Amico.
Cronologicamente, poderemos referir algumas obras essenciais, deixando muitas outras de fora, dado que o período foi extremamente fértil: “Guardie e ladri”, 1951, de Mario Monicelli e Steno; “I soliti ignoti”, 1958, de Mario Monicelli; “La grande guerra”, 1959, de Mario Monicelli; “Il vedovo”, 1959, de Dino Risi; “Tutti a casa”, 1960, de Luigi Comencini; “Il mattatore”, 1960, de Dino Risi; “Divorzio all'italiana”, 1961, de Pietro Germi; “Una vita difficile”, 1961, de Dino Risi; “L'onorata società”, 1961, de Riccardo Pazzaglia; “A cavallo della tigre”, 1961, de Luigi Comencini; “I due marescialli”, 1961, de Sergio Corbucci; “Il sorpasso”, 1962, de Dino Risi; “Ieri, oggi, domani”, 1963, de Vittorio De Sica; “Il boom”, 1963, de Vittorio De Sica; “I compagni”, 1963, de Mario Monicelli; “Una storia moderna: l'ape regina”, 1963, de Marco Ferreri; “I mostri”, 1963, de Dino Risi; “Sedotta e abbandonata”, 1964, de Pietro Germi; “La donna scimmia”, 1964, de Marco Ferreri; “Matrimonio all'italiana”, 1964, de Vittorio De Sica; “Signore & signori”, 1965, de Pietro Germi; “L'armata Brancaleone”, 1966, de Mario Monicelli; “La ragazza con la pistola”, 1968, de Mario Monicelli; “Il medico della mutua”, 1968, de Luigi Zampa; “Riusciranno i nostri eroi a ritrovare l'amico misteriosamente scomparso in Africa?”, 1968, de Ettore Scola; “Il commissario Pepe”, 1969, de Ettore Scola; “Nell'anno del Signore”, 1969, de Luigi Magni; “Dramma della gelosia - Tutti i particolari in cronaca”, 1970, de Ettore Scola; “Brancaleone alle crociate”, 1970, de Mario Monicelli; “In nome del popolo italiano”, 1971, de Dino Risi; “Mimì metallurgico ferito nell'onore”, 1972, de Lina Wertmüller; “Detenuto in attesa de giudizio”, 1972, de Nanni Loy; “Alfredo Alfredo”, 1972, de Pietro Germi; “Lo scopone scientifico”, 1972 de Luigi Comencini; “Vogliamo i colonnelli”, 1973, de Mario Monicelli; “Pane e cioccolata”, 1973, de Franco Brusati; “Film d'amore e d'anarchia”, 1973, de Lina Wertmüller; “Travolti da un insolito destino nell'azzurro mare d'agosto”, 1974 de Lina Wertmüller; “C'eravamo tanto amati”, 1974, de Ettore Scola; “Profumo de donna”, 1974, de Dino Risi; “Romanzo popolare”, 1974, de Mario Monicelli; “Finché c'è guerra c'è speranza”, 1974, de Alberto Sordi; “La poliziotta”, 1974, de Steno; “Amici miei”, 1975, de Mario Monicelli; “La mazurka del barone, della santa e del fico fiorone”, 1975, de Pupi Avati; “Pasqualino Settebellezze”, 1975, de Lina Wertmüller; “Signore e signori, buonanotte”, 1976, de Luigi Comencini, Nanni Loy, Luigi Magni, Mario Monicelli, Ettore Scola; “Brutti, sporchi e cattivi”, 1976, de Ettore Scola; “Una giornata particolare”, 1977, de Ettore Scola; “La stanza del vescovo”, 1977, de Dino Risi; “I nuovi mostri”, 1977, de Mario Monicelli, Dino Risi, Ettore Scola; “Il gatto”, 1977, de Luigi Comencini; “In nome del Papa Re”, 1977, de Luigi Magni; “La terrazza”, 1980, de Ettore Scola; “Amici miei atto II”, 1982, de Mario Monicelli.
Falando dos actores, a Itália tem um rei de prestígio inabalável, no campo do cinema, que vem dos anos 30 e prolonga a sua glória até finais da década de 60: Totó. O seu percurso faz-se um pouco à margem de todas as correntes, é um caminho individual que, todavia, se cruza obviamente com a comédia italiana. Mas, no período restrito a que corresponde à idade de ouro da comédia italiana, muitos grandes actores se notabilizaram, uns mais precisamente no campo do humor, outros incorporando essa faceta em filmografias muito mais abrangentes, indo do drama à comédia. São eles, no primeiro caso, Alberto Sordi, Ugo Tognazzi, Vittorio Gassman, Marcello Mastroianni, Nino Manfredi, Sylvia Koscina, Laura Antonelli, Agostina Belli, Renato Salvatori, Mario Carotenuto, Memmo Carotenuto, Tina Pica, Marisa Merlini, Leopoldo Trieste, Franco Franchi e Ciccio Ingrassia, ao lado de, no segundo caso, Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Claudia Cardinale, Silvana Mangano, Monica Vitti, Vittorio De Sica, Gino Cervi, Gian Maria Volontè, Enrico Maria Salerno, Salvo Randone, Walter Chiari, Franca Valeri, Stefania Sandrelli, Gastone Moschin, Carla Gravina, Adolfo Celi, Giancarlo Giannini, Michele Placido, Stefano Satta Flores, Mariangela Melato, e tantos outros. De resto, mesmo depois dos anos 60, surgiram novos actores, muitos deles de recursos mais limitados, que mantiveram a comédia entre os sucessos populares do cinema italiano. Alguns exemplos: Paolo Villaggio, Gigi Proietti, Lino Banfi, Renzo Montagnani, Gianfranco D'Angelo, Edwige Fenech, Gloria Guida, Alvaro Vitali, Bombolo ou Enzo Cannavale, sobretudo no campo da comédia erótica. Mas uma nova geração de cineastas renovou o campo da comédia nos últimos tempos, com excelentes resultados, casos de Nanni Moretti, Roberto Benigni, Carlo Verdone, Massimo Troisi, Francesco Nuti, Maurizio Nichetti, Alessandro Benvenuti, Gabriele Salvatores, Paolo Virzì, Francesca Archibugi, Daniele Luchetti e Silvio Soldini, ou ainda Leonardo Pieraccioni, Vincenzo Salemme e Giovanni Veronesi. Em Portugal pouco cinema italiano recente se vê.

DINO RISI




A ULTRAPASSAGEM (1962)

“Il Sorpasso” é definitivamente uma das obras-primas da cinematografia italiana e um dos grandes filmes de Dino Risi, que consegue com esta comédia atingir um nível de qualidade estética e de significado temático mais do que evidentes. Transformou-se num filme de culto. De resto, define plenamente um estilo e um pensamento que têm a ver unicamente com um “autor”. Há vários temas que começam a impor-se como constantes na obra deste cineasta: a viagem como iniciação, a estrada como cenário, o carro, forma de promoção social, mas também local privilegiado de confissões, o aldrabão fala-barato em oposição ao idealista tímido, a dispersão de personagens populares (o mesmo actor em diversos registos, ou diversos actores compondo uma galeria de tipos, que podem coexistir ou não na mesma obra), a crítica contundente à Itália do pós-guerra, aquela que ficou conhecida como a do “milagre económico”, a que deserdou a esquerda da utopia, a que reabilitou a direita vencida na guerra, promovida pela reconstrução (por isso aparecem tantos construtores civis nos seus filmes, quase invariavelmente na qualidade de traficantes de influências e corruptos profissionais). Sobretudo começa a impor-se um olhar descomprometido para com a realidade social italiana (mas não só), onde não se salva quase ninguém, onde apenas se olham com alguma simpatia pequenos meliantes. Mas, curiosamente, há uma enorme compreensão humana para também quase toda a gente. Dino Risi critica, por vezes com violência, mas nunca propõe a “pena capital” (óbvia forma metafórica de me referir a um humanismo latente no olhar do cineasta e às magníficas composições dos seus actores de eleição, que, por serem tão magníficos, nunca deixam de inspirar alguma simpatia, mesmo quando procedem das formas mais vis). Dino Risi critica pelo riso a “humana condição”, sem grandes esperanças de transformações, mas com a serena tranquilidade de quem sabe que, apesar de tudo continuar a ser como é, vale a pena intervir pela arte, pela crítica, pelo desenho da crise.
Com argumento de Ettore Scola, Ruggero Maccari e Dino Risi, este é um filme lendário, rodado em 1962, que funciona admiravelmente como panorâmica de observação mordaz e crítica da sociedade italiana destes anos de retoma económica, de despreocupada e súbita prosperidade que, vinda depois da privação da guerra, cria igualmente uma atmosfera de leviandade e arrivismo desnorteados. As privações provocadas pelo fascismo e pela ocupação alemã, as lutas da Resistência, a vitória dos Aliados e a paz trouxeram consigo um conjunto de esperanças e de utopias que cedo cederam perante os comportamentos do dia-a-dia, quer da direita mais reaccionária, que se “moderniza” e se refunda, quer da esquerda mais extrema, que se emburguesa ou se radicaliza, em ambos os casos perdendo e pé e isolando-se da realidade. O que fica deste contexto é uma sociedade sem valores, materialista, consumista, pensando apenas na promoção social, no lucro a todo o preço, no desenrascanço. O automóvel é, nesta situação, um elemento essencial que funciona como símbolo. Uma novidade, como símbolo de uma democratização generalizada. Um símbolo de status. É Dino Risi quem o afirma: “A Itália da guerra é a terra da bicicleta ou dos que andam a pé, depois veio a “motorina” (motorizada, a Lambreta) e por fim “la macchina”, o fabuloso automóvel.”
O filme passa-se no feriado de 15 de Agosto, em Roma. O “ferragosto”, assim se denomina o dia, comemora a assunção da Virgem Maria. A capital fica deserta, não há vivalma, nas ruas quase não circulam viaturas, todas as lojas fecham. Mas Bruno Cortona (Vittorio Gassman) é uma excepção e circula no seu Lancia Aurelia B24 Sport, pelas ruas de Roma, com a celeridade de uma piloto de Fórmula 1. Como veremos ao longo do filme, não tem nada que fazer, mas o que não tem a fazer faz depressa. Anda sempre em busca de alguma coisa. Nesta altura, procura um telefone, pára na berma da estrada para beber, olha para uma janela de um andar defronte e descobre um jovem estudante de direito, a quem pede para ligar para o número tal e perguntar por Marcela, informando-a que está atrasado, mas vai chegar. Outra constante na sua vida: estar atrasado para chegar não se sabe onde, mas anunciar que vai chegar. Roberto Mariani (Jean-Louis Trintignant), que prepara exames para Setembro, e não vê senão livros de estudo, e a ausência de uma bela vizinha, sem saber no que se mete, convida Bruno a subir. É muito mais simples ser ele mesmo a telefonar. Nada a fazer. Bruno assenhoreia-se da situação, toma conta de Roberto, que, meio adormecido numa onda de um transbordante vitalismo, acaba por embarcar numa extenuante viagem pelas estradas da Itália, abrindo deste modo o filme a uma “road movie”, que iria inclusive influenciar directamente (e confessadamente) o “Easy Rider”, de Denis Hopper e Peter Fonda…
Já agora, para se perceber as características da personagem, um pequeno apontamento. Bruno telefona a Marcela, que não atende. Bruno protesta: “Que vão para o inferno! Idiotas! Combinámos encontrarmo-nos às 11 horas, é meio-dia e já não estão!”
Que Roberto é “o aluno”, ficamos a saber desde logo, na sua apresentação. Mas não sabíamos ainda que o iniciador é Bruno, que o levará pelos perigosos caminhos do viver perigosamente, de uma forma sedutora, é óbvio, mas fundamentalmente arriscada, pondo em risco a sua própria vida, mas também a dos outros, de uma maneira egoísta, irresponsável, absurda. No início dos anos 60, nas estradas italianas, conduz a 120, ultrapassa sem qualquer precaução, agride verbalmente os outros automobilistas, brinca com peões, motoristas e ciclistas, instala-se um pouco por todo lado como se a casa fosse sua (inclusive na casa da sua ex-mulher que tem para com ele uma atitude muito semelhante à que os espectadores lhe dedicam: alguma simpatia, alguma compreensão para o miúdo que não cresceu, e que se mantém mimado vida fora, até uma altura em que a idade não perdoa já). O carro é aqui o elemento de referência, tem colado no painel de comandos um retrato de Brigite Bardot, o “sex simbol” europeu destes tempos, com uma bela inscrição de um moralismo machista: “Sê prudente, que te espero em casa!” Quando ultrapassa um ciclista, Bruno grita-lhe: “Compra uma Vespa!”, para logo a seguir completar o raciocínio: “O ciclismo não me interessa, é a antiestético, engrossa as coxas. Prefiro bilhar ou cavalos…”
As “boutades” de Bruno não têm fim. Passam por três padres alemães, a contas com um furo num dos pneus do automóvel. A uma pergunta de Bruno, um dos jovens sacerdotes responde em latim, Bruno não percebe, Roberto traduz: “Eles perguntam se temos um macaco.” “E como se diz que não temos?”, pergunta Bruno. Roberto responde: “Num habemus...” Bruno vira-se para os alemães e, no seu melhor latinório, faz-se compreender: “Num habemus macaco, ciao!”, e parte a toda a velocidade.
Quando surge a canção de Domenico Modugno, Bruno refere-se a um filme de Antonioni (O Eclipse), dizendo que esta música tem “aquela coisa, a solidão, a incomunicabilidade, e aquela outra coisa que está na moda, a alienação, como nos filmes de Antonioni.” Pergunta a Roberto se viu “O Eclipse”? Antes que Roberto diga o que quer que seja, Bruno opina, decisivo: “Eu dormi o tempo todo, foi uma bela soneca. Muito bom realizador, esse Antonioni!” (recorde-se que Dino Risi e Antonioni se estrearam em “Páginas da Vida”, de Zavattini).
Enquanto o carro vai circulando pelas estradas de Itália, a banda sonora vai registando alguns dos “hits” desses anos, mostrando também neste registo sonoro a descontracção e ligeireza da sociedade italiana. Encontramos canções e vozes que marcaram um período, o que também é uma das características do cinema de Risi. “Quando, Quando, Quando”, de Tony Renis e Alberto Testa, na voz de Emílio Pericoli, “St. Tropez Twist”, de Cenci-Faiella, “Per un attimo”, de Luigi Naddeo, “Don’t Play that Song” (You Lied), de Ahmet M. Etergun e Betty Nelson, as três cantadas por Peppino di Capri, “Giani”, de Tassone–Cássia, na voz de Miranda Martino, “Vecchio Frak”, de e na voz de Domenico Modugno, ou “Pinne Fucili Occhiali”, de Rossi-Vianello,  na interpretação de Vianello. Mas é, sobretudo, “Guarda come Dondolo”, igualmente de Rossi-Vianello, na voz de Edoardo Vianello, que dá o tom ao filme e o faz recordar musicalmente.
Esta viagem por Itália vai sendo pontuada por paragens que nos permitem conhecer melhor os protagonistas que se servem quase sempre da viagem no carro para estreitar relações e melhor se conhecerem um ao outro. Mas é quando param em casa da ex-mulher que se percebe algum do passado e muitas das frustrações e fracassos de Bruno, e é nessa altura igualmente que se descobre a filha de Bruno, e as relações entre os pais e ela, a sua atracção por um comendador bem servido de liras e de idade; é quando Roberto redescobre a casa dos tios, onde passou grande parte da sua meninice, que se compreende a sua timidez, a ignorância da vida, os pequenos traumas da sua adolescência. É, no restaurante, onde dá de caras com o patrão que o contratou e que o descobre na boa vida em vez de estar a trabalhar, que vem ao de cima o outro lado da personalidade de Bruno, a sua cobardia, o fala-barato, o desenrascanço. Que todavia não se detém perante nada e parte para a pista de dança com a mulher do patrão, a quem seduz (e por quem é descaradamente seduzido).
Curiosidades sobre a realização desta obra: Alberto Sordi foi o primeiro actor pensado para o principal papel, mas como estava contratado em exclusivo pelo produtor Dino De Laurentiis, Dino Risi teve de optar por Gassman. Com Alberto Sordi, certamente que a densidade do personagem seria diferente. Diferente também poderia ter sido o final da obra, com Roberto a matar Bruno (o que parece chegou a estar na ideia de Risi), mas este final não foi sequer rodado por razões de orçamento.
Este é um filme que denuncia um quase completo pessimismo do cineasta para com a humanidade, por igual. Não há personagens positivas (felizmente Dino Risi não seguia a filosofia do realismo soviético!), há apenas subtis gradações que vão da mediocridade de uma existência cinzenta até à hipocrisia mais brutal de exploradores sem escrúpulos, passando pela vitalismo patético de quem foi apanhado numa engrenagem suicida (ou assassina) e não consegue sequer tempo para parar e pensar. Nesta sociedade onde o que conta é “ultrapassar” e passar à frente, as consequências acabam por ser sempre trágicas.

A ULTRAPASSAGEM
Título original: Il Sorpasso ou The Easy Life
Realização: Dino Risi (Itália, 1962); Argumento: Dino Risi, Ettore Scola, Ruggero Maccari, Ettore Scola, Ruggero Maccari; Produção: Mario Cecchi Gori; Música: Riz Ortolani; Fotografia (p/b): Alfio Contini; Montagem: Maurizio Lucidi; Design de produção: Ugo Pericoli; Guarda-roupa: Ugo Pericoli; Maquilhagem: Gustavo Sisi; Direcção de produção: Pio Angeletti, Umberto Santoni; Assistentes de Realização: Guglielmo Ambrosi; Departamento de arte: Enrico Fiorentini; Efeitos Especiais: Aurelio Pennacchia; Companhias de produção: Incei Film, Fair Film, Sancro Film; Intérpretes: Vittorio Gassman (Bruno Cortona), Catherine Spaak (Lilly Cortona), Jean-Louis Trintignant (Roberto Mariani), Claudio Gora (Bibi), Luciana Angiolillo (mulher de Bruno), Linda Sini (Tia Lídia), Franca Polesello, Barbara Simon, Lilly Darelli, Mila Stanic, Nando Angelini (Amedeo), Edda Ferronao, Luigi Zerbinati (comendador), Bruna Simionato, etc.; Locais de rodagem: Roma, Castiglioncello, Livorno, Toscânia, Itália; Duração: 105 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais; Estreia em Portugal: 4 de Dezembro de 1964.


UMA VIDA DIFÍCIL (1961)

Há filmes que marcam a nossa vida bem para lá do seu significado cinematográfico. “Uma Vida Difícil”, estreado em Portugal no início da década de 60, na sala do cinema Império, é um desses casos. Estávamos num período difícil da ditadura salazarista no nosso país. Na noite da estreia, uma ruidosa salva de palmas acompanhou uma das cenas capitais da nova comédia de Dino Risi. Depois de hora e meia de enxovalho, Silvio Magnozzi (Alberto Sordi), o jornalista protagonista deste filme, abre caminho entre os convidados de uma festa de Vips romanos, dirige-se a um sobranceiro e arrogante gestor de negócios obscuros, daqueles em que a Itália foi pródiga nos conturbados tempos do pós-guerra, e, com uma chapada bem aplicada, enfia o figurão nas águas da piscina. Ouvia-se então uma estrondosa salva de palmas por parte de centenas de frustrados espectadores portugueses que, há muitos anos, esperavam por fazer o mesmo, sem o poderem sequer pensar alto. Nas “matinées” e “soirées” seguintes, diz quem viu, o fenómeno repetiu-se. “Una Vita Difficile” ficava a figurar assim nos anais da história de resistência política de Portugal. Aquela bofetada que Alberto Sordi lançava na cara de um burgesso “comendador” era a bofetada de um Portugal inteiro na face de uma ditadura odiada. Um filme era assim mais do que um filme. Mas era-o porque este filme se assumia, antes de ser uma provocação social, como uma excelente obra cinematográfica, uma obra de arte que permaneceria na memória e no coração de muitos.
Creio que, definitivamente, esta é a primeira obra-prima de Dino Risi (a que se iriam juntar “A Ultrapassagem” e “Perfume de Mulher”). O filme é um documento magnífico da história da Itália, entre os dias que antecedem o fim da II Guerra Mundial e o início da década de 60, entre um período de muito sofrimento e muita esperança numa profunda transformação na sociedade italiana e uma época de total desilusão para os utópicos e de muita frieza e calculismo para os homens de negócios que viram na indecisão dos tempos o convite a especulações de lucro imediato. Enquanto alguns dos que haviam lutado anteriormente contra o fascismo se “moldavam” às tendências dominantes, enquanto outros mudavam de casaca e se afeiçoavam a novos “ideais”, muitos continuavam a recusar dobrar-se ao que pareciam ser as forças do destino, e continuavam teimosamente a lutar por utopias sociais. O jornalista Silvio Magnozzi, que integrara a resistência no combate ao fascismo mussoliniano, que fora feito prisioneiro, que escrevera panfletos e ajudara em acções guerrilheiras, terminada a guerra manteve-se sob a mesma bandeira. Continuou a lutar com a sua máquina de escrever, nas redacções de jornais, mas também com a sua voz em reuniões nos cafés e em manifestações políticas partidárias.
Cercado pela subserviência galopante, vendo os amigos e os antigos camaradas a cederem lentamente aos caprichos de uma sociedade cada vez mais individualista e egoísta, onde o lucro fácil se transforma na única meta a atingir, Magnozzi sofre, tanto mais que, em sua própria casa, a mulher compreende cada vez menos a sua obstinação numa vida de penúria. Magnozzi é uma mistura de timidez e de arrogância militante, capaz de pequenas cobardias, dissimuladas humilhações, ou de grandes gestos teatrais, sem todavia assumir uma postura muito coerente, apesar de nunca renegar princípios e valores em que acredita. Mas, a partir da altura em que a mulher o abandona, Magnozzi fica transtornado, oscila eticamente e, para a reconquistar, aceita submeter-se ao poder ascendente de uma classe de construtores civis e traficantes de armas que ascendem ao capitalismo triunfante e às suas benesses. Servilmente, passa a ser o relações públicas de um desses comendadores de aviário que sente mesmo um certo prazer em curvar a espinha (e moldar a dignidade) de um daqueles que anteriormente haviam jurado não abdicar de uma certa conduta social e política. O normal nestes casos: quem trai gosta de se ver rodeado de outros traidores, se possível ainda mais traidores do que ele, para se sentir massa da mesma massa e ficar tudo “em família”.
O percurso da Itália entre duas décadas é dado de forma invulgarmente eficaz. Com a serenidade de escrita e a eficácia narrativa de sempre, Dino Risi descreve um época, um tempo histórico, não visto tanto pelos grandes momentos “históricos”, mas pela vida do dia-a-dia e pela análise de uma mentalidade e de um modo de vida que progressivamente vai resvalando e adulterando características. Neste aspecto, a colaboração de Alberto Sordi é particularmente influente, pois o trabalho do actor e prodigioso de sensibilidade, de acutilância, num registo dificílimo que se pode definir num desenho de personagem trágico-cómico que só um intérprete especialmente dotado consegue manter num termo justo, sem descambar em algo de vulgar, grosseiro ou piegas. Alberto Sordi é simplesmente brilhante, ajudando Dino Risi a desenvolver uma obra que conta com sequências inesquecíveis: o jantar em casa de uma família monárquica que espera os resultados de um referendo sobre “República ou Monarquia” é absolutamente genial, pela forma como a caricatura é contida nos limites do razoável, sendo, no entanto, cáustica; a já referida cena da festa do comendador, que termina com a bofetada justiceira, é de antologia; a tormenta psicológica por que passa Magnozzi, após a separação da mulher (excelente Lea Massari, diga-se), obriga-o a persegui-la de restaurante em restaurante, de bar em bar, até culminar com uma épica bebedeira que leva o jornalista a invectivar todos os carros que passam na estrada, acusando o carro de ser o símbolo da rápida promoção social e da profunda decadência moral dos italianos. Uma outra sequência merece referência, tendo o cinema como centro de atenção e de crítica. Por esta altura, o cinema transalpino caracterizava-se por filmes históricos, os chamados “peplums”. Silvio Magnozzi vai procurar na Cinecittá, num intervalo de filmagens, um conde amigo da mulher, que caíra em desgraça e sobrevive como figurante em filmes de romanos e cristãos. O jornalista quer vender um argumento ao realizador Blasetti, mas o mais interessante na sequência é assistir-se igualmente à decadência do próprio cinema italiano, que se deixa contaminar por essa volúpia do lucro fácil e do “gosto do grande público”. A cena é divertidíssima, e Dino Risi, que era acusado de ser um cineasta que trocara a seriedade pelo humor, e tornara “rosa” o “neo-realismo”, “vinga-se” aqui, ainda por cima criando uma obra-prima de uma qualidade e perenidade que muitos dos seus detractores nunca conseguiram. Visto hoje em dia, “Uma Vida Difícil” não tem uma ruga e espanta pela modernidade e pela acuidade: as sociedades apenas se tornaram mais do mesmo.

UMA VIDA DIFICIL
Título original: Una Vita Difficile
Realização: Dino Risi (Itália, 1961); Argumento: Rodolfo Sonego; Produção: Dino De Laurentiis; Música: Carlo Savina; Fotografia (p/b): Leonida Barboni; Montagem: Tatiana Casini Morigi; Design de produção: Mario Chiari; Direcção artística: Mario Scisci; Guarda-roupa: Lucia Mirisola; Maquilhagem: Giuliano Laurenti; Assistentes de Realização: Vana Caruso, Franco Montemurro; Som: Biagio Fiorelli, Enrico Moreal; Companhias de produção: Dino de Laurentiis Cinematográfica; Intérpretes: Alberto Sordi (Silvio Magnozzi), Lea Massari (Elena Pavinato), Franco Fabrizi (Franco Simonini), Lina Volonghi (Amelia Pavinato), Claudio Gora (Commendador Bracci);  Antonio Centa (Carlo), Loredana Cappelletti (Giovanna), Mino Doro (Gino Laganà), Daniele Vargas, Borante Domizlaff, Paolo Vanni, Edith Peters, Valeria Manganelli, Salvatore Campochiaro, Bruna Perego, Alfonsina Cetti, Piera Pichi, Carlo Kechler, Nina Honenlohe-Oehringen, Kraft Honenlohe-Oehringen, Enzo Casieri, Leo Monteleoni, Antonio Marrosu, Alfredo Lucifero, Carolyn De Fonseca, Alessandro Blasetti, Vittorio Gassman, Silvana Mangano, Umberto Raho, Franco Scandurra, Renato Tagliani (estes últimos, não creditados), etc. Duração: 118 minutos; Classificação etária: M/12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Nos Audiovisuais.



OS MONSTROS (1963), OS NOVOS MONSTROS,
VEJO TUDO NU (1969)

As décadas de 60 e 70 do século passado foram uma época onde, sobretudo nas cinematografias europeias, particularmente nas francesa e italiana, se desenvolveu um tipo de filmes em episódios (em “sketches”), assinados por um mesmo realizador ou agrupando vários autores. Houve filmes e episódios para todos os gostos, mas aparecerem sobretudo muitas comédias. Dino Risi foi um dos introdutores deste tipo de filmes segmentados, com “I Mostri” (Os Monstros), uma co-produção ítalo-francesa de Mario Cecchi Gori, de 1963, com argumento de Agenore Incrocci, Ruggero Maccari, Elio Petri, Dino Risi, Furio Scarpelli e Ettore Scola. Dois monstros sagrados, Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi, protagonizaram os diversos episódios. O filme conheceu um tremendo sucesso de público e de crítica e justificou sequelas directas, como “I Nuovi Mostri”, em 1977, e uma série de outras, das mais diversas proveniências.
O original de 1963 continha 20 episódios, e todo o filme, como já o dissemos, era dirigido por Dino Risi. Os episódios, recordados aqui de forma sucinta, eram "L'Educazione Sentimentale" (um pai que “educa” o filho querido a se desenrascar na vida, não olhando a nada nem a ninguém, a não ser ele próprio), "La Raccomandazione" (um actor de grande prestígio, de nome Gassman, que recomenda ao director de uma outra companhia um colega em desgraça, mas que acaba por impor outro em seu lugar, por forma a ver-se livre de um peso extra na sua tabela de ordenados), "Il Mostro" (uma foto para a posteridade, “à la minute”, de um homem que se vê rodeado por dois polícias verdadeiramente “monstruosos”, quando ele próprio é apontado como o “monstro” que matou cinco filhos e se fechou em casa), "Come un Padre" (um jovem descobre que a mulher, com quem casara há três meses, lhe é infiel e vai ter, de noite, com o melhor amigo para lhe contar o sucedido. Este ouve, desconfia das “certezas” do marido enganado, aconselha-lhe calma, antes de o enviar de volta a casa. Quando regressa à sua cama, confidencia à mulher do amigo, que ali se encontra, que no dia seguinte vai jantar a casa dela), "Presa dalla Vita" (uma velhota, muito velhota, é literalmente raptada para ser figurante durante a rodagem de um filme, durante a qual é atirada à água de uma piscina. É necessário repetir: 13ª take), "Il Povero Soldato" (um soldado é chamado à cidade para reconhecer o corpo da irmã assassinada. Descobre que ela era prostituta e que mantinha actualizado um diário onde anotava todas as visitas a clientes. O soldado, compungido pela dor, vai vender o diário ao jornal que mais der pelos escândalos da inditosa mana), "Che Vitaccia" (num bairro da lata uma família vive em dificuldades. O marido chora-se pela vida difícil que leva, com a mulher doente, de cama, mas arranja tempo e dinheiro para ir ao estádio gritar pelo seu clube), "La Giornata dell'Onorevole" (um deputado da Democracia Cristã, que dorme num convento, é instado por um camarada de partido a retardar o reconhecimento de uma informação que anularia um negócio de um correligionário, o que o político faz de forma particularmente eficaz e sem “sujar as mãos”), "Latin Lovers" (dois “latin lovers” na praia “galam” todas as mulheres que lhe passam pela frente, mas acabam de mãos entrelaçadas), "Testimone Volontario" (uma testemunha oferece–se voluntariamente para depor num julgamento, e acaba na prisão, por causa da sua sede de verdade e justiça), "I Due Orfanelli" (dois órfãos pedintes), "L'Agguato" (um polícia que se esconde por detrás de um quiosque de venda de jornais para autuar cada carro que pára para comprar um jornal) , "Il Sacrificato" (um D. Juan que se despede de uma amante, “sacrificando-se por ela”, pelo “seu futuro”, pela “vida que está a perder”, segundo as suas palavras, para logo a seguir a trocar por outra, novinha em folha), "Vernissage" (a compra de um novo carro um Fiat 600, para a família, que é inaugurado por uma prostituta de rua), "La Musa" (reunido o júri literário, a “Diva” argumenta em defesa de um medíocre romance, mas de um jovem autor que ela bem conhece de noites passadas em conjunto), "Scende l'Oblio" (um casal bem instalado na vida assiste a um filme onde os nazis dizimam prisioneiros encostados a um muro. O marido refere que é “um muro como este” que quer a vedar a sua casa), "La Strada è di Tutti" (enquanto peão, o comportamento é um, quando ao volante de um pequeno carro pratica-se a antítese), "L'Oppio dei Popoli" (enquanto o marido assiste vidrado à televisão, a mulher recebe no quarto o amante de ocasião), "Il Testamento di Francesco" (um padre que prega a humildade e a simplicidade no pequeno ecrã e que se aperalta na caracterização da TV para aparecer “em beleza”)  e "La Nobile Arte" (a humilhação dos últimos dias dos grandes pugilistas que se arrastam à procura de um derradeiro combate).   Alguns destes episódios são pequenas obras-primas de miniaturista, outros são curtas anedotas de sucinto desenvolvimento e de curto alcance. Há os grotescos e os ternos, os violentamente críticos e os de mão leve, há alguns interpretados de forma magistral e os vividos com certa graça. Há mesmo um travesti de Gassman.
Há, sobretudo, retratos de uma certa fauna italiana (mas não só, não só!) que restituem uma panorâmica (parcial, deformada, claro, ou não se tratasse de “monstros”!) de algumas das taras da sociedade italiana do “boom económico” dos anos 50 e 60, mas que se irá manter (e reproduzir-se, para mal dos nossos pecados!) nos anos seguintes.
Ugo Tognazzi (“L'Educazione Sentimentale", “Il Mostro", "Come un Padre", Il povero soldato", "La giornata dell'onorevole", "Latin lovers", "Testimonio Volontario", "L'Agguato", "Vernissage", "Scenda l'Oblio",  "L'Oppio dei Popoli", "La Nobile Arte") e Vittorio Gassman ("La raccomandazione", "Il mostro", "Presa dalla vita", "Che vitaccia", "Latin lovers", "Testimonio volontario", "La musa", "I due orfanelli", "Il sacrificato", "La strada è di tutti", "Il testamento di Francesco" e "La nobile arte") eram os protagonistas. Por vezes notáveis.
“I Nuovi Mostri” (Os Novos Monstros), de 1977, dividia a direcção por três dos maiores autores da comédia italiana: além de Dino Risi, apareciam ainda colaborações de Ettore Scola e Mario Monicelli, e o argumento era da responsabilidade de Agenore Incrocci, Ruggero Maccari, Giuseppe Moccia, Ettore Scola e Bernardino Zapponi. Os principais actores eram Alberto Sordi, Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi e Ornella Muti, e a obra era composta por 14 episódios na sua versão original, reduzida a 12 na versão que correu mundo. A importância desta obra foi tal que chegou a ser nomeada para o Óscar de melhor filme de língua estrangeira.
Os 14 episódios da versão original estavam assim divididos: dois dirigidos por Mario Monicelli ("Autostop", com Ornella Muti e "Pronto Soccorso", com Alberto Sordi); sete rodados por Ettore Scola ("L'Uccellino della Val Padana", com Ugo Tognazzi; "Il Sospetto", com Vittorio Gassman; "Cittadino Esemplare", com Vittorio Gassman; "Sequestro di Persona Cara", com Vittorio Gassman; "Come una Regina", com Alberto Sordi; "Hostaria!", com Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi e ainda "Elogio Funebre", com Alberto Sordi). Finalmente, Dino Risi realiza cinco episódios: "Con i saluti degli amici", "Tantum ergo”, com Vittorio Gassman, "Mammina e mammone", com Ugo Tognazzi, "Pornodiva" e "Senza parole", com Ornella Muti.
Organizando-se, tal como o anterior filme da série, em torno de vários episódios colados uns aos outros sem aparente relação, a não ser aquela que o próprio título sugere, “novas monstruosidades sociais italianas”, “I Nouvi Monstri” oscila de novo entre a anedota mais ou menos inconsequente e o conto de ressonâncias trágicas ou patéticas que a simplicidade de processos, a qualidade da interpretação (Alberto Sordi está sensacional nesta obra, sobretudo em "Pronto Soccorso") e a intencionalidade crítica tornam irrecusáveis. Apesar de irregular tanto na densidade de cada episódio, na sua duração, no seu desenvolvimento, como nos seus propósitos, este é um filme que, tal como o anterior, oferece uma curiosa galeria de tipos e de situações que se impõem facilmente e justificam amplamente a visão. "Pronto soccorso", de Comencini, é uma pequena obra-prima, "Mammina e Mammone", com Ugo Tognazzi, "Pornodiva", ambos de Dino Risi, são excelentes apontamentos de um universo demente, "Come una Regina", com Alberto Sordi, "Hostaria!", com Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi e ainda "Elogio Funebre", com Alberto Sordi, os três de Ettore Scola, são outros tantos momentos de um doloroso burlesco que joga com o que há de mais trágico e de mais sórdido na alma humana.


Outro dos filmes em episódios assinado inteiramente por Dino Risi é “Vejo Tudo Nú”, de 1969, com participação de Nino Manfredi em todos os sketches, que abordam a obsessão sexual que se apoderou da sociedade ocidental por essa época de “flower power” e de “make love not war”. O sexo está presente em cada olhar. “La Diva” é a própria Sylva Koscina que socorre um ferido numa estrada e que o leva ao hospital, onde provoca tamanho rebuliço que o ferido morre sem tratamento, mas ela consegue reunir à sua volta todos os médicos e enfermeiros de serviço. Em “Processo a Porte Chiuse' um rústico, que abusa sexualmente de uma galinha, defende-se da acusação, sublinhando a irresistível sedução da franga. “Ornella” reúne travesti e homossexualidade num jogo de esconde-esconde; “Il Guardone” retrata um “voyeurista” tão obcecado com corpos nus que se excita com o seu próprio rabo reflectido num espelho e que toma pelo de uma mulher; “L'Ultima Vergine” reúne uma mulher solitária e um empregado da companhia de telefones que ela toma por um tarado sexual; “Motrice Mia” é um dos episódios mais célebres e aborda o caso de um fetichista com comboios que atinge o orgasmo quando eles lhe passam por cima, quando se encontra estendido entre os carris. Bom chefe de família, transmuda-se todas as noites, à mesma hora. Finalmente, “Vedo Nudo” ou a história de um publicitário que não consegue ver qualquer mulher senão nua, à força de as fotografar sempre assim. O sexo a dominar a mente de toda a gente, como consequência sobretudo de uma sociedade de consumo que tudo vende, criando necessidades extras através de um marketing impositivo.
Dino Risi foi, dos autores transalpinos, um dos que melhor simbolizaram um certo espírito da comédia popular italiana. Ao dizermos popular, queremos referir ser ela simultaneamente um reflexo do próprio povo (das suas características, virtudes e defeitos), e um produto facilmente perceptível pelas plateias de todas as origens sociais. De onde o êxito de crítica e de público que muitas das suas obras tiveram ao longo da sua extensa actividade. Dino Risi teve ainda a vantagem, que alguns outros colegas seus nem sempre atingiram, de ser um autor de um humor enraizado no povo, mas de expressão subtil, denunciando uma sensibilidade elegante e requintada, o que se sente bem, quer ao nível dos “décors” escolhidos, quer ainda na delicadeza e suavidade da sua câmara, na forma como ela se movimenta e enquadra os actores.

OS MONSTROS
Título original: I Mostri
Realização: Dino Risi (Itália, França, 1963); Argumento: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Elio Petri, Dino Risi, Ettore Scola, Ruggero Maccari, Ettore Scola, Ruggero Maccari; Produção: Mario Cecchi Gori; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (p/b): Alfio Contini; Montagem: Maurizio Lucidi; Design de produção: Ugo Pericoli; Decoração: Arrigo Breschi; Guarda-roupa: Ugo Pericoli; Maquilhagem: Gustavo Sisi, Otello Sisi; Direcção de produção: Pio Angeletti, Umberto Santoni; Assistentes de Realização: Vana Caruso; Som: Fausto Ancillai, Guido Ortenzi; Companhias de produção: Fair Film, Incei Film, Montfluor Film, Dicifrance; Intérpretes: Ugo Tognazzi / Il padre (segmento "L'Educazione sentimentale") / (carabiniere / segmento "Il mostro") / Stefano (segmento "Come un padre") / Battacchi (segmento "Il povero soldato") / L'onorevole (segmento "La giornata dell'onorevole") / latin lover (segmento "Latin lovers") / Pilade Fioravanti (segmento "Testimonio volontario") / il vigile (segmento "L'agguato") / Impiegato (segmento "Vernissage") / Spettatore (segmento "Scenda l'oblio") / Marito (segmento "L'oppio dei popoli") / Guarnacci (segmento "La nobile arte"); Vittorio Gassman / (segmentos "La raccomandazione", "Il mostro", "Presa dalla vita", "Che vitaccia", "Latin lovers", "Testimonio volontario", segmentos "La musa", "I due orfanelli", "Il sacrificato", "La strada è di tutti", "Il testamento di Francesco", "La nobile arte"), Lando Buzzanca / Luchino (segmento "Come un padre"); Marisa Merlini / Paola Fioravanti (segmento "Testimone volontario"), Rika Dialina / Anna (segmento "Il Sacrificato"), Michèle Mercier / Maria (segmento "L'opio dei popoli"), Ricky Tognazzi / Paoletto (segmento "L'educazione sentimentale"), Franco Castellani / Paolo (segmento "La Raccomandazione"), Maria Mannelli / Olimpia (segmento "Presa dalla vita"), Mario Laurentino / Nino (segmento "Il povero soldato"), Angela Portaluri / Ersilia (segmento "Che vitacchia"), Yacinto / Yaria Aristide (segmento "La Giornata dell'onorevole"), Franco Caracciolo / Zenone (segmento "La giornata dell'onorevole"), Carlo Kechler / Nino (segmento "La giornata dell'onorevole"), Ugo Attanasio / Lamberto (segmento "La Giornata dell'onorevole”), Luciana Vincenzi / Gina (segmento "Latin lovers"), Carlo Bagno / Gianni (segmento "Testimone volontario"), Daniele Vargas / Salvatore (segmento "I Due orfanelli”), Mario Cecchi Gori / Automobilista (segmento "L’ Agguato"), Françoise Leroy / Giuliana (segmento "Il Sacrificato"), Sal Borgese / Umberto (segmento "La musa"), Jacques Herlin / Lachapelle (segmento "La musa"), Maria Luisa Rispoli / Flavia (segmento "Scenda l'oblio"), Marino Masé / amante (segmento "L'oppio dei popoli"), Riccardo Paladini / Luigi (segmento "Il Testamento di Francesco"), Mario Brega (segmento "La Nobile arte"), Nino Nini / Enrico (segmento "La nobile arte"), Ottavia Panunzi (segmento "La nobile arte"), Lucia Modugno / Clara Antinori (segmento "La Nobile arte"), etc. Duração: 115 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais.

VEJO TUDO NÚ
Título original: Vedo Nudo
Realização: Dino Risi (Itália, 1969); Argumento: Fabio Carpi, Jaja Fiastri, Ruggero Maccari, Dino Risi, Bernardino Zapponi; Produção: Pio Angeletti, Adriano De Micheli; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (cor): Alessandro D'Eva, Erico Menczer; Montagem: Alberto Gallitti; Design de produção: Luciano Ricceri; Guarda-roupa: Ezio Altieri; Maquilhagem: Iolanda Conti, Michele Trimarchi; Direcção de produção: Hermes Gallippi, Antonio Mazza; Assistentes de Realização: Adriano Incrocci; Som: Vittorio Massi, Mario Morigi, Ludovico Scardella; Companhias de produção: Dean Film, Jupiter Generale Cinematográfica; Intérpretes: Nino Manfredi (vários papaeis), Sylva Koscina, Véronique Vendell (Manuela), Umberto D'Orsi (Federico), Daniela Giordano (Luísa), Nerina Montagnani, Bruno Boschetti, Marcello Prando, Guido Spadea, Enrico Maria Salerno, Luca Sportelli, John Karlsen, etc. Duração: 105 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais. 



EM NOME DO POVO ITALIANO (1971)

“Em Nome do Povo Italiano” é outro dos melhores filmes que conhecemos de Dino Risi. Um filme verdadeiramente “popular”, no sentido que esta palavra pode ter de mais nobre e exigente, uma obra realizada efectivamente “em nome do povo italiano”, com tudo o que isso implica. Dino Risi mostra que um filme “popular” é um filme feito a pensar na promoção cívica e crítica do povo, não para o servir nos seus apetites mais baixos, mas para o promover a escalões intelectuais mais elevados. “Em Nome do Povo Italiano” é, isso mesmo, uma obra extremamente complexa, inteligente, corajosa, lúcida, verdadeiramente aberta a todos, jogando com figuras centrais e personagens marginais impecavelmente desenhadas, num traço satírico que a todos convence e cativa, Poderia, seguramente, fazer-se desta comédia um filme jurídico-político extremamente hermético e de difícil leitura. Mas aí, a obra perderia muito do seu vigor, e grande parte do seu impacto popular. Cedendo nalguns aspectos acidentais, Risi preserva o essencial e transporta-o a amplas plateias.
Vejamos, rapidamente, como poderemos pôr o acento no essencial (dado que o filme de Dino Risi, na sua aparente simplicidade, é, efectivamente, de uma grande complexidade). A chave para o filme encontra-se lapidarmente expressa logo nas duas sequências iniciais: uma, que define a escrupulosa acção de um magistrado que assiste à destruição de um imóvel construído fraudulentamente (UgoTognazzi); outra, que encerra, sob a fórmula de curriculum vitae, a existência e a actividade de um industrial que viaja no seu belo bólide encarnado e encontra assento um pouco por todo o conselho de administração de duvidosa actividade industrial (Vittorio Gassman). Irá perceber-se desde logo que o filme irá conjugar, mas em oposição, dois tipos humanos de aparecimento muito constante ao longo de toda a filmografia de Dino Risi: o arrivista vitalista que tudo e todos atropela na sua ânsia de lucro fácil e de rápida ascensão na social (imagine-se o mesmo Gassman, de “A Ultrapassagem”, alguns anos depois, agora num lugar decisivo do campo económico italiano) e o cidadão obstinadamente honrado que a sociedade transformou num homem azedo, mas que permanece puritanamente íntegro e escrupuloso no seu trabalho (tente ver-se o Alberto Sordi de “Uma Vida Difícil”, dez anos depois de ter dado aquela estrondosa bofetada no capitalista, um Sordi com um futuro cinzento, numa carreira de magistrado impoluto). Do cruzamento destas duas figuras nasce, não só um magnífico choque de dois belos comediantes (Gassman regressado ao seu melhor e Tognazzi superando-o ainda em discrição e justeza), como um processo à cidade, pleno de coragem e de acuidade. A investigação de Tognazzi leva-o a desenterrar o passado e a entrever as actividades ilícitas e fraudulentas de Gassman, e simultaneamente, por generalização imposta pela própria obra, se desvenda o retrato da sociedade italiana dos anos 70. Gota a gota, figura a figura (não descurando nunca o aparecimento, quase sempre justificado, de certas caricaturas típicas de um retinto humor “operático” italiano), a Itália dessa altura fica ali despida, frente aos olhos do espectador. Raivosamente, Risi distribuiu as suas bofetadas um pouco por todo o lado, da justiça à política, da alta finança à indústria, da construção civil ao cinema, do proxenetismo à televisão, dos “jornais de actualidades” à “dolce vita”... Mas, atenção, muitos e muitos são os filmes que distribuem alfinetadas e tudo deixam na mesma. Porque lhes falta uma coerência interna, porque lhes falta uma estrutura ideológica em que se baseia a crítica. Dino Risi nada deixa ao acaso. O que vemos em “Em Nome do Povo Italiano” é, efectivamente, um processo contra a cidade, contra a sociedade, contra a sociedade italiana (“esta sociedade”, diz-se no filme), que permite tais excessos e para eles encontra sempre maneira de perdoar, fazendo vingar o escapismo.
O filme vai ainda mais longe, depois de ter desafiado a cidade, o magistrado apanhou o industrial prestando falsas declarações que o comprometem no assassínio de uma prostituta. Poderá pensar-se o caso arrumado, mas eis que às mãos do advogado vêm parar os cadernos escolares da rapariga, onde esta confessa o suicídio. O magistrado hesita no destino a dar a esta prova de inocência neste crime, enquanto percorre uma cidade desocupada, com toda a gente a assistir (ouvir) uma partida de futebol decisiva: Itália-lnglaterra. Vai lendo um diário de uma feroz amargura, onde se intercalam as frases em inglês e a sua dramática tradução para o italiano. Vai assistindo à revelação do suicídio e descobre que a Itália ganhou. Para as ruas desce agora o povo, gritando “Viva a Itália!” e atravessando os ares com a bandeira tricolor. É a glória e a confessada inconsciência, é a vitória (e a derrota) de uma sociedade. Tognazzi vê, um pouco por todo o lado, o rosto de Gassman, ora padre, ora soldado fascista, ora meretriz, ora popular irado (que incendeia uns carros de matrícula inglesa). Das suas mãos, que apertam a prova da inocência do industrial, deixa cair um caderno que se vai “purificar” nas labaredas do carro em chamas. Gassman era todavia o responsável por muitas outras criminosas actividades. Um dos responsáveis pela Itália de hoje. O magistrado pode escolher e opta pelo que julga uma medida de saneamento. Sabendo, embora, que ela, por si só, a nada levava de concreto. Mas, por suas mãos, justiçou um homem corrupto. “Em Nome do Povo Italiano”. Poderá pensar-se que nada melhor do que fazer justiça de alguma forma, mesmo que pelas próprias mãos. Mas o gesto do magistrado nada mais representa do que a demonstração de quão doente está esta sociedade, onde à traficância de uns opõe a puritana justiça cega de outros. Magistrado e industrial estão afinal bem um para o outro. O seu frente a frente é o frente a frente de uma sociedade doente. Estamos em 1970, mas poderíamos estar muitos anos depois, na Itália de Berlusconi. Há sequências que dir-se-iam ter sido rodadas em 2007.
Magnificamente interpretado, dirigido com grande serenidade expositiva e com alguma complexidade (pela forma como se intercalam alguns curiosos flashbacks e ainda pelo depoimento directo, que escolheu para certos interrogatórios), “Em Nome do Povo Italiano” é, cinematograficamente, uma obra de grande modernidade narrativa, desenvolta, inquietante. Pode estar “datada” quanto aos cenários e ao guarda-roupa, mas é eterna na forma como discute ideias. Possuidor de um humor muito italiano, mas nem por isso menos rigoroso, este título revela uma inventiva diabolicamente eficaz quanto a processos: quando dois magistrados discutem nas escadarias do palácio de justiça, o incorruptível afirma “Eu sou um magistrado”, ao que o corrupto responde: “Eu também!”. Nesse preciso momento desaba grande parte do interior do palácio de justiça. O que irá obrigar à transferência dos tribunais para as casernas de um quartel.

EM NOME DO POVO ITALIANO
Título original: In Nome del Popolo Italiano ou In the Name of the Italian People
Realização: Dino Risi (Itália, 1971); Argumento: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli; Produção: Edmondo Amati; Música: Carlo Rustichelli; Fotografia (Cor): Alessandro D'Eva; Montagem: Alberto Gallitti; Design de produção: Luigi Scaccianoce; Guarda-roupa: Enrico Sabbatini; Direcção de produção: Maurizio Amati, Piero Lazzari; Som: Franco Bassi, Bruno Brunacci; Production Companhias de produção: International Apollo Films; Intérpretes: Ugo Tognazzi (Mariano Bonifazi), Vittorio Gassman (Lorenzo Santenocito), Ely Galleani (Silvana Lazzarini), Yvonne Furneaux (Lavinia Santenocito), Michele Cimarosa (Casciatelli), Renato Baldini (Cerioni), Pietro Tordi (Professor Rivaroli), Maria Teresa Albani, Alfredo Adami, Rossella Bergamonti, Francesco D'Adda, Marcello Di Falco, Checco Durante, Edda Ferronao, Mario Maranzana, Paolo Paoloni, Enrico Ragusa, Franca Scagnetti, Simonetta Stefanelli, Claudio Trionfi, Franco Angrisano, Gianfilippo Carcano, Vanni Castellani, Piero Nuti, Franca Ridolfi, etc. Duração: 103 minutos; Classificação etária: M/12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Nos Audiovisuais.


PERFUME DE MULHER (1974)

Dino Risi era já neste período seguramente um dos mestres da comédia italiana e dos grandes cineastas transalpinos que o pós-guerra revelou. Curiosamente, só nos últimos anos a crítica internacional (estamos a referirmo-nos à crítica francesa e anglo-saxónica, aquela que aparentemente pautava os critérios de muito boa gente, um pouco por todo o lado, por esse mundo além) o “descobrira”. Em França, por exemplo, o ano de 1975 foi particularmente fértil para essa “revelação”. Estreia de alguns títulos nunca aí vistos (entre eles “Uma Vida Difícil”, por exemplo), reposição de outros (“A Ultrapassagem” é um caso), ao mesmo tempo que apreciam as suas obras mais recentes (“Em Nome do Povo Italiano”, “Sexo Louco”, “Perfume de Mulher”…). Este acontecimento vinha mostrar igualmente como, por vezes, a vilipendiada crítica portuguesa (alguma que se não regia, nem rege, por figurinos estrangeiros...) se encontrava bem no cimo da onda, chamando a atenção para obras e autores que só muito tempo depois seriam reconhecidos internacionalmente. Há já longos anos que alguns críticos portugueses se batiam com ardor pelo cinema rigoroso e sarcástico deste moralista de riso demolidor e finura de traço que tão modelarmente retratava uma sociedade ao longo de uma vasta e quase sempre honrosa carreira.
Fausto (Vittorio Gassman), ex-capitão de infantaria, retirado do activo na força da idade, em virtude de um acidente com uma bomba que lhe levou a vista e o braço esquerdo, vive sozinho, em Turim, unicamente sob os cuidados de uma velha tia. Cínico, duro, sarcástico, de uma agressividade permanente, Fausto, dissimula assim a amargura que a solidão provoca. O exército coloca ao seu serviço um jovem soldado que o irá acompanhar durante uma deambulação por algumas cidades italianas, viagem que terminará em Nápoles. Não será senão aqui que o espectador perceberá que esta viagem não é outra coisa senão uma despedida, um olhar retrospectivo para o que ficou para trás. Fausto, ferozmente agarrado à vida e aos seus prazeres, recusa toda a forma de piedade, sente sobretudo a falta das mulheres, do “belo sexo” que ele reconhece pelo “perfume”. Mas a arrogância não lhe permite aceitar qualquer outra forma de relação que não seja o amor que se compra nas ruas de Génova. Sara, uma rapariga que o ama desde muito antes do seu infeliz acidente, de quem Fausto guarda o retrato bem junto ao revólver, na sua mala de viagem, representa para ele o inaceitável: a abdicação, a humilhação, o aceitar de uma condição de dependência que sempre recusara até aí. Por isso, a sua viagem é, à partida, uma viagem sem regresso. O suicídio é a meta derradeira. Mas a coragem falta no último instante. O que altera por completo os dados do problema. Fausto cai em si e descobre a sua fraqueza e admite-a. Com desespero e raiva lança um grito final em busca de Sara. E ela aí está, companheira dedicada, pronta ao sacrifício. Amor?  
Uma das características do cinema de Dino Risi é ser um cinema de deriva, acompanhando pessoas em viagem em busca de si próprias, que esbarram com o seu auto-retrato descoberto ao espelho da vida e com o retrato “do outro”, que de início ignoram com um quase desprezo, mas a quem depois se afeiçoam.
 “Perfume de Mulher” coloca ao espectador várias questões curiosas. Primeiramente, na linha de um certo cinema americano que decorre “kerouakianamente” “na estrada”, este é o percurso de dois homens, bastante diferentes entre si, que ao longo de uma viagem se vão descobrindo um ao outro. Os laços que se estabelecem entre os dois não serão de amizade, mas de necessidade. Esses laços impõem uma convivência. Fausto, fanfarrão e senhor de si, vai conduzindo o jogo de bengala na mão e olhos vendados pela cegueira. Apesar desse “handicap” é ele ainda o guia. Pela experiência que demonstra, pela segurança que manifesta, pela invulnerabilidade que dir-se-ia possuir. O jovem Giovanni, entre a delicadeza e a inexperiência, entre a raiva e a piedade, é o contrário de Fausto, completando-o, todavia. Os dias que ambos vivem em comum serão outros tantos dias de experiência recíproca. No final, Giovanni parte, possivelmente mais forte, seguramente desencantado com a fragilidade revelada por Fausto.
Mas esta “viagem em Itália” é ainda pretexto para uma panorâmica rápida, mas cáustica, sobre a sociedade italiana, retratada em apontamentos breves, carregados de significado. Nas ruas, nas carruagens de comboio, nas salas de hotéis, nos terraços de Nápoles, um pouco por todo o lado vai surgindo o perfil de uma sociedade, olhada ora com acidez crítica, ora com a melancólica ternura de um poeta do quotidiano.
A figura de Fausto é, igualmente, um precioso manancial de referências críticas. Através dele escalpeliza-se com rigor e lucidez alguns mitos abertamente mediterrânicos, como o militarismo, o don-juanismo, o machismo “derrubador”, admiravelmente personificados pelo talento, aqui disciplinado, de Vittorio Gassman, num dos mais belos papéis da sua carreira.
Dino Rísi, por seu turno, oscilando perigosamente entre o grotesco e trágico, entre a comédia de costumes e “análise psicológica”, com subtileza e sensibilidade, mostra-se um cineasta perfeitamente amadurecido, na posse de todas as suas faculdades, dominando os meios expressivos de que dispõe, bem assim como os actores sob as suas ordens, Além de Gassman, são de referir, Alessandro Momo, que “Malícia” revelara e a morte precocemente levou (e que seria certamente um grande actor), e Agostina Belli, aliás belíssima.

PERFUME DE MULHER
Título original: Profumo di Donna ou Scent of a Woman ou Sweet Smell of Woman ou That Female Scent
Realização: Dino Risi (Itália, 1974); Argumento: Ruggero Maccari, Dino Risi, segundo romance de Giovanni Arpino ("Il buio e il mare"); Produção: Pio Angeletti, Adriano De Micheli; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (cor): Claudio Cirillo; Montagem: Alberto Gallitti; Design de produção: Lorenzo Baraldi; Guarda-roupa: Benito Pérsico; Assistentes de Realização: Claudio Risi; Companhias de produção: Dean Film; Intérpretes: Vittorio Gassman (capitão Fausto Consolo), Alessandro Momo (Bertazzi, chamado Ciccio), Agostina Belli (Sara), Moira Orfei (Mirka), Franco Ricci (Raffaele), Elena Veronese (Michelina), Lorenzo Piani, Stefania Spugnini (Cândida), Torindo Bernardi   Vincenzo), Marisa Volonnino (Ines), Carla Mancini, Alvaro Vitali (Vittorio), Sergio Di Pinto, Vernon Dobtcheff (Don Carlo), etc. Duração: 103 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais; Estreia em Portugal: 31 de Janeiro de 1976.

LUIGI COMENCINI


PÃO, AMOR E FANTASIA (1953)

Em 1953, “Pão, Amor e Fantasia” causa surpresa e furor em Itália e no mundo. Um filme aparentemente sem nada de muito especial, uma comédia a preto e branco, ambientada numa pobre aldeia, longe da superprodução ou dos elencos superpopulares, afirma-se como um dos grandes trunfos de bilheteira e simultaneamente ganha um prestigio crítico invulgar. Em Itália, toda a gente se identifica com os habitantes dessa pequena comunidade e acorre às salas de cinema. Em França, atinge quase quatro milhões de espectadores na sua estreia (3.865.980, para ser exacto). Em 31 de Março de 1965, perfazia globalmente 1.413.361.666 espectadores. Números absolutamente inacreditáveis, mesmo para a época. Mas não se trata apenas de um sucesso comercial. Ganha o Urso de Parta no Festival de Berlim, é nomeado para o Oscar de Melhor Argumento, Gina Lollobrigida, até aí uma quase desconhecida, lança-se numa carreira fulgurante, e é-lhe atribuído o Nastro d'argento para Melhor Actriz do ano no cinema italiano. É considerado um dos 100 filmes italianos de sempre e, enquanto tal, preservado. Um sucesso, portanto, a todos os níveis.
E, no entanto, … “Pane, amore e fantasia” esteve quase para não ser rodado. Luigi Comencini, o realizador que, conjuntamente com Ettore Maria Margadonna, escreveu o argumento original, não conseguia financiamento para este projecto, por várias razões. Uma seria o “reduzido interesse da história” e a sua pouca apetência comercial; outra, uma questão que hoje nos parece inteiramente absurda: colocar uns “carabinieris” (uma autoridade policial transalpina, um pouco a meio caminho da policia ou da GNR) em situações não muito dignas. O filme só conseguiu um produtor interessado, Marcello Girosi, quando Vittorio De Sica se prontificou a interpretar o papel do protagonista. Em 1953, De Sica era um actor prestigiadíssimo e uma referência no panorama artístico italiano e mundial. Anos antes ganhara um Oscar como realizador, e várias outras honrarias internacionais, depois de ter assinado “Ladrões de Bicicletas”.
O problema de colocar em causa o bom nome dos “carabinieris” levou mesmo os responsáveis a colocar uma longa legenda no início do filme, a livrá-lo de toda e qualquer intenção de denegrir a imagem das forças da ordem. Estávamos em 1953, oito anos depois da Itália se ter libertado do fascismo de Mussolini e da ocupação nazi. Mas a urgência em preservar a autoridade era enorme, e para quem vê hoje o filme, particularmente ridícula. Não há nada de depreciativo quanto aos “carabinieris”, a não ser que se tenha como gravoso o facto deles também poderem gostar do “belo sexo”. Aí sim, há dois garbosos “carabinieris” a apaixonarem-se, primeiro pela mesma mulher, a belíssima Maria De Ritis, conhecida por La Bersagliera (Gina Lollobrigida), depois cada um com a sua, para tudo terminar num final feliz a contento de todos.
Mas esta comédia sentimental possui fartos motivos para satisfação de um espectador exigente. Se a intriga é discreta e simples, Um “maresciallos dei carabinieris” chega a Sagliena, uma pequena aldeia (imaginária) do centro de Itália, pouco depois do fim da II Guerra Mundial. É um galante quarentão, bem-parecido e muito aprumado. A aldeia (na realidade o filme foi rodado em Castel San Pietro Romano, na Lazio, zona oriental da província de Roma) é pobre e ostenta o típico dia a dia de uma pequena comunidade onde todos se observam e criticam. O “maresciallo” passeia-se por uma das suas ruelas, vê um pobre sentado à sombra de uma casa a comer pão e pergunta-lhe: “com que comes esse pâo?”. O pobre abre o pão, que não tem nada e responde sem acrimónia: “Com fantasia”. Nessa aldeia vive a fogosa La Bersagliera, de quem toda a gente inveja a beleza e a sensualidade e supõe ser presa fácil aos olhares gulosos dos homens da terra, o que não passa de suposição. O “maresciallo” Carotenuto não foge à regra e procura amenizar os seus tempos de solidão no regaço da “bella donna”, mas sempre em vão. Esta vive secretamente apaixonada por um outro (jovem), o “carabinieri” Stelluti (Roberto Risso). História mais moral não pode haver, como concluirá quem vir o filme até ao fim.  Não é por aí que a obra se salienta, mas sim pelo retrato da aldeia e das suas gentes, pelas situações de humor, elegantes e bem desenvolvidas, pelas magnificas interpretações de Vittorio De Sica e Gina Lollobrigida, muito bem acompanhados pelo restante elenco, Marisa Merlini, Virgilio Riento, Memmo Carotenuto e a fabulosa Tina Pica, entre outros.
Luigi Comencini assina aqui um dos seus primeiros grandes trabalhos, todavia não isento de problemas. Vittorio De Sica terá permitido com o seu nome produzir o filme, mas com a personalidade forte que se lhe reconhecia, terá imposto uma personagem que ele foi desenhando à sua imagem. Parece que, antes da rodagem o protagonista era alguém pouco simpático, e à medida que a obra ia sendo filmada, foi adquirindo uma auréola de simpatia que o próprio actor lhe foi conferindo, o que terá criado um ambiente tenso durante a rodagem. Mas o resultado final é muito bom e este foi um dos primeiros títulos a proporcionar o entusiasmo generalizado pela “comédia à italiana”, um neorrealismo rosa, como alguns lhe chamaram depreciativamente, mas afinal uma outra forma de abordar a realidade social da Itália do pós-guerra. O olhar não é complacente, mas crítica e justa, sem maniqueísmos, e a observação social aproxima muito do olhar neorrealista de alguns dos valores maiores deste movimento. O tom de sátira ajuda a aproximar-se do espectador, sem condescendências, o que não acontecia, nessa altura, em Itália, com as obras-primas do neorrealismo que eram graves e sérias, e que recordavam um período que os italianos queriam esquecer.
O sucesso foi de tal ordem que impôs sequelas: Pão Amor e Ciumes”, com a mesma equipa (Luigi Comencini, Vittorio De Sica e Gina Lollobrigida), e “Pao, Amor e …” (agora com direcção de Dino Risi, e Sophia Loren no lugar de Gina Lollobrigida).

PÃO, AMOR E FANTASIA
Título original: Pane, amore e fantasia
Realização: Luigi Comencini (Itália, 1953); Argumento: Luigi Comencini, Ettore Maria Margadonna; Produção: Marcello Girosi; Música: Alessandro Cicognini; Fotografia (p/b): Arturo Gallea; Montagem: Mario Serandrei; Design de produção: Gastone Medin, Gino Rissone; Direcção artística: Gastone Medin; Decoração: Ugo Pericoli; Maquilhagem: Liliana Celli, Umberto De Martino; Direcção de Produção: Sergio Banti, Nino Misiano, Roberto Moretti; Assistentes de realização: Luisa Alessandri, Franco Montemurro; Som: Paolo Ketoff, Primiano Muratori; Companhias de produção: Titanus; Intérpretes: Vittorio De Sica (Maresciallo Carotenuto), Gina Lollobrigida (La Bersagliera), Marisa Merlini (Anna Mirziato), Virgilio Riento (Don Emidio), Tina Pica (Caramella), Roberto Risso (Carabiniere Stelluti), Vittoria Crispo (mãe de La Bersagliera), Maria Pia Casilio (Paoletta), Memmo Carotenuto (Carabiniere Baiocchi), Guglielmo Barnabò, Gigi Reder, Mario Meniconi, Nino Vingelli, Checco Rissone, Attilio Torelli, Alfredo Rizzo, Violetta Gragnani, Fausto Guerzoni, Giulio Battiferri, etc. Duração: 93 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Distribuição em DVD: Openingg (França); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 29 de Novembro de 1954. (original italiano, com legendas em francês).

MARIO MONICELI


POLÍCIAS E LADRÕES (1951)

“Guardie e Ladri” data de 1951 e surge assinado por Mario Monicelli e Steno, uma dupla de realizadores muito representativa da chamada comédia italiana, sobretudo no seu lado mais popular, o que fica bem demonstrado nesta obra interpretada de forma magistral por Totò e Aldo Fabrizi. Será de sublinhar que nesta época, inícios da década de 50, o neorrealismo tinha ainda uma forte presença em Itália e que, apesar do seu registo em tons de comédia, esta é obviamente uma obra que se apresenta como legítima herdeira desse movimento estético que teve no cinema um importante desenvolvimento.
Esta é a história de dois pobres diabos, dois tipos populares, representando cada um lados opostos da lei. Ferdinando Esposito (Totò) é um vigarista de pequeno calibre que sobrevive, ele e a família, de expedientes diversos, mas quase todos à margem da lei. Vamos encontrá-lo, juntamente com o seu cúmplice, Amilcare (Aldo Giuffrè), nas ruínas do Coliseu de Roma, “descobrindo” uma moeda antiga e enganando um turista americano, um tal Mr. Locuzzo, que é igualmente o presidente de uma comissão de caridade americana, o que irá dar origem a um desaconselhável reencontro quando Esposito se candidata, juntamente com um conjunto de “filhos” de ocasião, à ajuda americana. Mr. Locuzzo reconhece o aldrabão, denuncia-o às autoridades, e inicia-se então uma inusitada perseguição, com o anafado agente da polícia Lorenzo Bottoni (Aldo Fabrizi) a correr atrás do burlão. A caçada parece nunca mais acabar, mas o fôlego dos corredores sim, o que permite um momento de pausa e reflexão conjunta.
Finalmente, Bottoni acaba por dar voz de prisão ao delinquente, mas este escapa, o polícia é castigado e suspenso das suas funções, arriscando-se a perder o emprego. À paisana, sem farda nem arma, Bottoni jura encontrar o fugidio Esposito. Vai a casa deste, conhece a família, sem se dar a conhecer, e a partir daí a empatia entre todos é evidente. Afinal, polícia e ladrão são resultado de um mesmo povo, de uma mesma sociedade, de mesmas questões sociais.
Apesar de colocados de lados opostos de uma realidade social, Esposito e Bottoni são dois exemplos muito semelhantes saídos de uma certa sociedade. Ambos sobrevivem miseravelmente, um servindo a ordem estabelecida, o outro procurando subvertê-la no dia-a-dia. Nenhum deles tem consciência política, ambos funcionam pelo pragmatismo das situações. Ambos irão perceber que existe muito mais a uni-los do que aquilo que os separa. Uma solidariedade possível vai estabelecer-se entre os dois (e as famílias de ambos), sem que, todavia, a estrutura da sociedade seja posta em causa. Esposito e Bottoni são já amigos, mas um irá prender o outro e enviá-lo para a cadeia e quando Esposito pressente o drama e a dúvida no rosto do polícia será ele o primeiro a decidir entregar-se. Ambos aceitam a ordem estabelecida. “Guardie e Ladri” mostra a realidade, não procura apontar caminhos. 
Este título da filmografia conjunta de Steno e Monicelli esteve a concurso da quinta edição do Festival de Cannes, onde ganhou o prémio para Melhor Argumento, sendo ainda distinguido Totò pela sua interpretação. Em 1952, Totò, pela sua actuação nesta obra, recebeu igualmente o Prémio de Melhor Actor, atribuído pelo Sindicato dos Críticos de Cinema Italianos. Um actor que até aí não era visto com grande interesse pelos intelectuais italianos ganhava as suas credenciais.
Curiosamente este filme era para ser dirigido por Luigi Zampa, que declinou o projecto por o julgar demasiado arriscado em termos de censura (nessa versão Peppino De Filippo seria o polícia e Anna Magnani a sua mulher). Zampa já tinha tido alguns problemas com filmes anteriores, e não queria voltar a envolver-se com os censores. Tinha razão, dado que a versão final de “Polícias e Ladrões” iria desencadear reacções violentas por parte das autoridades que não viam com bons olhos esta familiaridade de um polícia e um ladrão. Quase durante um ano, o filme lutou com a censura até obter ordem de soltura. Foi um sucesso imediato junto do público italiano. O que confere justiça à realização discreta mas eficaz, ao excelente argumento e à magnífica interpretação dos dois protagonistas, que erguem personagens de uma densidade humana indesmentível.
Finalmente, conte-se uma curiosidade ligada à rodagem: durante a perseguição de Fabrizi a Totò, pelas ruas da cidade, quando o polícia grita “Ladrão! Prendam-no!”, dois agentes da autoridade autêntico, tomaram o grito por verdadeiro e resolveram pegar nas armas e atirar para o ar, para intimidar o ladrão. Morto de medo, Totò pára, esperando que a situação se esclareça. Tudo acabou, rezam as crónicas, com autógrafos de Fabrizi e Totò para os “vero carabinieri”.

POLÍCIAS E LADRÕES
Título original: Guardie e ladri
Realização: Mario Monicelli e Steno (Itália, 1951); Argumento: Vitaliano Brancati, Aldo Fabrizi, Ennio Flaiano, Ruggero Maccari, Mario Monicell, Steno, Piero Tellini; Produção: Dino De Laurentiis, Carlo Ponti; Música: Alessandro Cicognini; Fotografia (p/b): Mario Bava; Montagem: Franco Fraticelli, Adriana Novelli; Design de produção: Flavio Mogherini; Decoração: Flavio Mogherini; Direcção de Produção:Nicolò Pomilia, Bruno Todini; Assistentes de realização: Rudy Bauer, Mario Mariani; Som: Aldo Calpini, Biagio Fiorelli; Companhias de produção: De Laurentiis, Golden Film, Lux Film, Ponti; Intérpretes: Aldo Fabrizi (Lorenzo Bottoni), Totò (Ferdinando Esposito), Ave Ninchi (Giovanna Bottoni), Pina (Donata Esposito), William Tubbs (Mr. Locuzzo, o turista), Rossana Podestà (Liliana Bottoni), Gino Leurini (Alfredo), Aldo Giuffrè (Amilcare), Carlo Delle Piane (Libero Esposito), Ernesto Almirante, Paolo Modugno, Pietro Carloni, Mario Castellani, Armando Guarnieri, Ciro Berardi, Giulio Calì, Gino Scotti, Luciano Bonanni, Rocco D'Assunta, Aldo Alimonti, Riccardo Antolini, Alida Cappellini, Ettore Jannetti, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal: Estevez Seven; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 21 de Novembro de 1952. 



GANGSTERS FALHADOS (1958)

Alexandre Marius Jacob, conhecido apenas por Marius Jacob (1879 –1954) foi um célebre francês, ladrão de inspiração anarquista, que parece ter estado na origem da criação de Maurice Leblanc para a sua personagem Arsène Lupin. Marius Jacob é uma lenda no campo da criminalidade francesa. Ardiloso, inteligente, roubando aos ricos para dar aos pobres, estribando-se em conceitos políticos para as suas façanhas, mantinha um humor e irreverência inegáveis. Conta-se que um dia assaltou uma casa e descobriu que esta era pertença do escritor Pierre Loti. Marius Jacob voltou a colocar tudo nos seus lugares e deixou uma nota: “Assaltei por engano a sua casa. Um escritor que vive da sua escrita merece um salário.” Assinava Attila. E deixava um PS: “junto 10 francos para substituir o vidro partido”. Foi muito comentado um assalto seu a uma ourivesaria, utilizando a técnica do chapéu-de-chuva. Julga-se que terá sido esta personagem a estar na base de um filme de Jules Dassin, de 1955, “Du rififi chez les hommes”, um clássico dos “filmes de roubo”, que por sua vez terá servido de pretexto para, entre muitas outras obras, a excelente paródia que Mario Monicelli realizou em 1958, “Gangsters Falhados” (I Soliti Ignoti).
O filme reúne um conjunto de magníficos actores que se juntam enquanto personagens que alimentam a esperança de praticar um grande roubo num banco, ou numa loja de penhores onde existe um apetecível cofre-forte carregado de jóias. São arraia-miúda do submundo do crime. Tudo começa pelo roubo frustrado de um carro. Apanhado pela polícia, o malogrado assaltante quer servir-se de um embuste para sair da prisão e dar o grande golpe. Para isso precisa de uma “ovelha”, designação dada a quem estiver pelos ajustes de, contra uma boa indemnização, se apresentar às autoridades como autor do assalto, libertando o verdadeiro culpado. A procura do tipo certo para este “negócio” é desde logo um dos grandes momentos do filme. Num bairro suburbano de Roma, perguntam a um grupo de miúdos se conhecem o Mário. “Aqui há centenas de Mários!” responde um dos inquiridos. “Mas este é ladrão”, acrescenta quem procura. “Continua a haver centenas”, conclui o jovem que continua a jogar à bola.
Depois de várias peripécias, organiza-se um gang de pequenos escroques. Peppe (Vittorio Gassman) é um pugilista manhoso, que aceita o papel de “ovelha” para sacar a Cosimo (Memmo Carotenuto) as informações sobre o golpe que está a preparar. Tiberio (Marcello Mastroianni) é um fotógrafo sem máquina, que empenhou, que tem a mulher presa por contrabando de cigarros (parece a dupla de “Ontem, Hoje e Amanhã”, que surgirá pouco anos depois) e vive com um bebé ao colo. Mario Angeletti (Renato Salvatori) não tem eira nem beira e catrapisca a irmã do siciliano Ferribotte (Tiberio Murgia), que vela pela castidade de Carmelina (Claudia Cardinale) com denodado rigor. Entre outros mais, surge ainda Dante Cruciani (Totò), especialista em arrombar cofres. Um verdadeiro artista de prestígio assegurado que “nunca se encontra no local do crime quando este acontece”.
Para se entrar no andar do banco, é necessário antes uma penosa peregrinação por telhados e terraços e aturados estudos à distância. Depois, urge perfurar uma parede e tudo se julga sob controlo, mas pode sempre surgir o imprevisto. É o caso, que não se revela para não se perder o inesperado.
"Gangsters Falhados" é uma das mais conseguidas obras de Mario Monicelli e uma das mais características comédias italianas dos anos 50. Com uma sólida base de análise social, partindo de um inteligente e hábil argumento, cozinhado a várias mãos (Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Suso Cecchi D'Amico e do próprio Mario Monicelli, ao que consta partindo de um conto de Italo Calvino, "Furto in una pasticceria", o que não aparece creditado no genérico), “I Soliti Ignoti” é um retrato de uma sociedade saída da guerra e de uma traumatizante passagem pelos conturbados tempos do fascismo italiano. A Itália percorria já o que para alguns era o período dourado do “milagre económico” que deixava, todavia, na miséria largas fatias da população que se entregava à prática da pequena delinquência e a uma economia paralela, procurando assim sobreviver à exclusão social. Os ambientes humanos e os cenários urbanos do filme mostram isso mesmo e a tonalidade humorística não exclui a crítica (muito pelo contrário, acentua-a). A estrutura narrativa está solidamente implantada, Monicelli tem o dom de desenvolver sabiamente os apontamentos satíricos e o desenho das personagens, algumas inesquecíveis, representadas por um elenco onde sobressaem os nomes de Vittorio Gassman, Renato Salvatori, Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale, Memmo Carotenuto, Carla Gravina, Tiberio Murgia, Carlo Pisacane, além de Totó, um dos maiores e dos mais originais actores de sempre no campo da comédia.

GANGSTERS FALHADOS
Título original: I soliti ignoti
Realização: Mario Monicelli (Itália, 1958); Argumento: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Suso Cecchi D'Amico, Mario Monicelli, drgundo conto de Italo Calvino ("Furto in una pasticceria"); Produção: Franco Cristaldi; Música: Piero Umiliani; Fotografia (p/b): Gianni Di Venanzo; Montagem: Adriana Novelli; Design de produção: Piero Gherardi; Decoração: Vito Anzalone; Guarda-roupa: Piero Gherardi; Maquilhagem: Romolo de Martino; Direcção de Produção: Gino Millozza, Nicolò Pomilia; Assistente de realização: Mario Maffei; Departamento de arte: Italo Tomassi; Som: Oscar Di Santo, Luigi Puri; Companhias de produção:Cinecittà (Stabilimenti Cinematografici, Lux Film, Vides Cinematografica; Intérpretes: Vittorio Gassman (Peppe il pantera), Renato Salvatori (Mario Angeletti), Memmo Carotenuto (Cosimo), Rossana Rory (Norma), Carla Gravina (Nicoletta), Marcello Mastroianni (Tiberio), Totò (Dante Cruciani), Tiberio Murgia (Michele, dito o Ferribotte), Claudia Cardinale (Carmelina), Gina Rovere (Teresa), Gina Amendola (Mario), Elvira Tonelli (Assunta), Elena Fabrizi (Signora Ada), Pasquale Misiano (Massimo), Renato Terra (Eladio), Aldo Trifiletti (Fernando), Nino Marchetti (Luigi), Mario De Simon, Edith Bruck, Franco Carli, Mario Feliciani, Ida Masetti, Mimmo Poli, Lisa Romey, Amerigo Santarelli, Gustavo Serena, Roberto Spiombi, etc. Duração: 106 minutos; Distribuição em Portugal: Cristald Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 13 de Novembro de 1959.





Mario Monicelli é um dos grandes da comédia à italiana, um estilo de humor muito característico que surgiu em meados dos anos 50, que na altura escandalizou os ortodoxos do neorrealismo, a que chamaram de realismo rosa, em tom depreciativo. Mas o tempo foi fazendo justiça e presentemente a comédia à italiana tem os seus pergaminhos e os seus grandes realizadores, desde Monicelli a Dino Risi (o maior de todos, um dos grandes do cinema italiano de sempre), passando por Germi, Lattuada, Comencini, Scola, e alguns mais (entre os quais se deve colocar Vittorio De Sica da sua fase Sophia Loren).
Monicelli começou a sua carreira como argumentista, assinou inúmeras comédias de Totó e, já no final dos anos 40, dirigiu “Totó Procura Casa”, continuando depois na década seguinte com obras como “Vida de Cão”, “Polícias e Ladrões”,Totò e i re di Roma”, “Toto Entre as Mulheres”, “Totò e Carolina”, até atingir a plenitude com duas magníficas comédias, uma de 1958, “Gangsters Falhados”, outra de 1959, “A Grande Guerra”. A sua carreira continuou até inícios do novo século, com títulos muito interessantes, como “I Compagni”,Casanova 70”, “O Capitão Brancaleone”, “A Rapariga da Pistola”,Uma Aventura nas Cruzadas”, “Queremos os Coronéis”, “Romance Popular”, “Oh! Amigos Meus”,O Pequeno Burguês” ou “Il Marchese del Grillo”.
Monicelli morreu a 29 de Novembro de 2010, com 95 anos, suicidando-se. Estava internado num hospital, com um cancro na próstata, e atirou-se de uma janela para a rua. Tinha nascido em Viareggio, na Toscania, a 15 de Maio de 1915.
“A Grande Guerra” é uma comédia dramática, daquelas que quase só os italianos tinham o segredo. Num cenário dantesco da I Guerra Mundial, com as tropas italianas a tentarem deter o avanço das forças austríacas, dois soldados tentam sobreviver passando por entre os pingos da chuva, ou melhor dizendo, furtando-se a todo e qualquer perigo. Tudo começa logo no recrutamento de Giovanni Busacca (Vittorio Gassman), que se aproveita de Oreste Jacovacci (Alberto Sordi) para tentar arranjar a melhor posição na sua colocação. Mas Oreste, um aldrabão vivaço, faz que anda mas não anda, apesar de não recusar o bem-vindo suborno. Quando se reencontram, mais tarde, a bordo de um comboio que os levará a um destino comum, o confronto é inevitável, mas tudo se acalmará: afinal eles irão ser companheiros de muitos dias de cobardia comum, fugas e escusas previsíveis, até que o grande dia chega, e não podem mais adiar a decisão.
Monicelli dá-nos um retrato implacável da inutilidade da guerra, do seu absurdo, mas oferece-nos sobretudo dois retratos humanos magníficos. Tanto Sordi como Gassman são brilhantes na forma como se complementam, um mais sorna e manobrador pela calada, o outro histriónico e provocador, sempre com Bakunine na boca, mas ambos no pleno domínio das suas enormes capacidades. A seu lado, Silvana Mangano, Folco Lulli, Bernard Blier ou Romolo Valli asseguram um elenco coeso e notável, muito contribuindo para o êxito que esta película conheceu na data da sua estreia, e que se mantem inalterável até hoje.
O argumento, com a assinatura de Mario Monicelli, Age & Scarpelli, Luciano Vincenzoni, é muito bem desenvolvido, articulando cenas de guerra, em planos gerais, com outras, pessoais, mais intimistas, integrando assim o lado individual no coletivo, quase sempre com uma anotação de humor excelentemente conseguida. O soldado que tem uma paixão platónica pela actriz  do mudo Francesca Bertini e que anda sempre acompanhado da sua fotografia, o outro que troca correspondência com a namorada por interposto militar que lhe escreve as cartas e lhe escamoteia as verdades dramáticas, o oficial com um nome que favorece as graçolas, a robusta personagem interpretado por  Folco Lulli que aproveita todas as oportunidades para amealhar uns cobres , que no final não lhe serviram para nada, tudo são pequenas anotações que transformam a obra não em mais um filme de guerra, mas num painel de uma humanidade contagiante.
Mario Monicelli ganharia o Leão de Ouro do Festival de Veneza, enquanto Alberto Sordi viu sublinhada a sua interpretação. Nos Oscars de 1960, o filme esteve entre os cinco nomeados para Melhor Filme em Língua não Inglesa. Na atribuição dos David di Donatello do mesmo ano, Vittorio Gassman e Alberto Sordi dividiram a Melhor Interpretação do ano e o título ganharia ainda a Melhor Direcão Artística. Nos prémios do Sindicato Nacional dos Jornalistas de Cinema, de Itália, “A Grande Guerra” alcançaria ainda diversos trofeus, como em outras manifestações e festivais nacionais e internacionais.

A GRANDE GUERRA
Título original: La grande guerra
Realização: Mario Monicelli (Itália, França, 1959); Argumento: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Luciano Vincenzoni, Mario Monicelli; Produção: Dino De Laurentiis; Música: Nino Rota; Fotografia (p/b): Roberto Gerardi, Giuseppe Rotunno, Leonida Barboni, Giuseppe Serrandi; Montagem: Adriana Novelli; Design de produção: Mario Garbuglia; Guarda-roupa: Danilo Donati, Piero Gherardi; Maquilhagem: Rino Carboni, Romolo de Martino; Direcção de Produção: Giorgio Adriani, Alfredo De Laurentiis, Luigi De Laurentiis, Giorgio Morra; Assistentes de realização: Giovanni Fago, Maurizio Lucci, Mario Maffei; Departamento de arte: Aldo Puccini; Som: Rocco Roy, Bruno Moreal; Efeitos especiais: Urbisaglia Gatti; Companhias de produção: Dino de Laurentiis Cinematografica, Gray-Film; Intérpretes: Alberto Sordi (Oreste Jacovacci), Vittorio Gassman (Giovanni Busacca), Silvana Mangano (Costantina), Folco Lulli (Bordin), Bernard Blier (Capitão Castelli), Romolo Valli (Tenente Gallina), Vittorio Sanipoli (Major Venturi), Nicola Arigliano (Giardino), Geronimo Meynier, Mario Valdemarin, Elsa Vazzoler, Tiberio Murgia, Livio Lorenzon, Ferruccio Amendola, Carlo D'Angelo, Achille Compagnoni, Luigi Fainelli, Marcello Giorda, Tiberio Mitri, Gérard Herter, Guido Celano, Mario Feliciani, Mario Mazza, Mario Colli, Gianni Baghino, Mario Frera, Gian  Luigi Polidoro, Leandro Punturi, Edda Ferronao, etc. Duração: 137 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Estevez; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 26 de Abril de 1961.



OH, AMIGOS MEUS (1975)

“Amici miei” parte de um argumento de Pietro Germi, Piero De Bernardi, Leonardo Benvenuti e Tullio Pinelli, tudo gente experimentada neste género de comédia e que também assinam a ideia original. Pietro Germi terá desenvolvido mesmo um trabalho especial para a concretização deste filme, pois no inicio do genérico aparece a legenda “um filme de Pietro Germi”, quando a realização é obviamente assinada por Mario Monicelli. Razão para que tal aconteça? Inicialmente o filme seria para ser realizado por Pietro Germi, mas, entretanto, gravemente doente entregou a realização ao seu amigo Mario Monicelli, Não conseguiria assistir à estreia, pois iria falecer em 1974 e o filme só se estrearia no ano seguinte. Trata-se, portante, quse o podemos dizer, de um filme testamento de Pietro Germi, de quem mantem muitas das obsessões, permanecendo, todavia, muita da temática de Monicelli.
A ideia tem muitos pontos de contacto com algumas outras obras, italianas e não só. Em Florença, um grupo de amigos despreocupados divertem-se durante algum tempo. Faz lembrar “Os Inúteis”, de Fellini, “A Grande Farra”, de Ferreri, “Tão Amigos que nós Eramos”, de Etore Scola, ou mesmo “Maridos”, de Cassavetes. Todos eles retrato de uma certa má consciência pessoal e social, um mal de vivre que transforma uma comédia particularmente hilariante, numa obra profundamente triste e desesperada. O mesmo Monicelli tinha realizado “Gangsters Falhados”, um grupo de pobre diabos que resolve planear um golpe que falha. Esta história também estabelece curiosas relações com “Amicei Miei”, cm algumas diferenças significativas também. Enquanto na obra de 1959, numa Itália em recuperação da guerra, os organizadores do golpe eram meliantes de baixa classe que tentavam roubar para melhorar a vida, os protagonistas de “Oh, Amigos Meus” são de um outro extrato social e resolvem simplesmente divertirem-se, porque essa é a única forma de se sentirem “vivos”. A Itália é agora a do milagre económico, da grande corrupção e das grandes obras, que simultaneamente trouxe uma decepção definitiva e uma desilusão profunda.
Um jornalista, Giorgio Perozzi (Philipe Noiret), que funciona como narrador que liga todos os episódios deste puzzle, um arquitecto, Rambaldo Melandri (Gastone Moschin), um aristocrata arruinado, Lello Mascetti (Ugo Tognazzi), o dono de um café, Necchi (Duilio Del Prete) e um médico cirurgião, o professor Sassaroli (Adolfo Celi) são os comparsas de imaginativas situações de farsa, que vão desde o incrível episódio das bofetadas numa gare de comboios até ao aparecimento numa festa para onde não tinham sido convidados, culminando com uma inventona que tinha como alvo o desgraçado Righi Niccolò (Bernard Blier). Para que as suas graçolas funcionem, este quinteto irreverente (como ficou conhecido no Brasil) não olha a meios, sacrificando mulheres e filhos, trabalhadores e pobres diabos. Estes falhados da vida, sobrevivem artificialmente inventando realidades alternativas. Tão alternativas como a argarviada que Tognaxzzi forja de cada vez que tem de aldrabar mais um. O mais dramático é que as personagens sérias e aparentemente responsáveis desta história, possivelmente ainda são mais repulsivos, o que nos oferece um retrato verdadeiramente decepcionante desta sociedade sem finalidade ou rumo. A “ciganada”, como a si próprios se chamam, anda às voltas sem destino. Até que a morte os leve e no seu enterro se mantenha a farsa.
Excelentes actores conseguem dar contextura psicológica e credibilidade a um grupo que dificilmente se esquecerá. Trata-se de uma das grandes comédias italianas dos naos 70 e uma das que melhor transmite o vazio de uma sociedade desorientada. A realização é de uma eficácia notável, digna do melhor Monicelli.
 

Título original: Amici miei
Realização: Mario Monicelli (Itália, 1975); Argumento: Pietro Germi, Piero De Bernardi, Leonardo Benvenuti, Tullio Pinelli; Produção: Carlo Nebiolo, Andrea Rizzoli; Música: Carlo Rustichelli; Fotografia (cor): Luigi Kuveiller; Montagem: Ruggero Mastroianni; Design de produção: Lorenzo Baraldi; Decoração: Vincenzo Medusa, Ennio Michettoni; Guarda-roupa:Giuditta Mafai; Maquilhagem: Franco Di Girolamo, Vitaliana Patacca; Direcção de Produção: Antonio Colantuoni, Francesco Giorgi, Andrea Petricca; Assistentes de realização: Mario Garriba, Carlo Vanzina; Som: Raul Montesanti, Roberto Moretti, Alberto Tinebra; Companhias de produção: R.P.A. Cinematografica, Rizzoli Film; Intérpretes: Ugo Tognazzi (Lello Mascetti), Gastone Moschin (Rambaldo Melandri), Philippe Noiret (Giorgio Perozzi), Duilio Del Prete (Necchi), Olga Karlatos (Donatella Sassaroli), Silvia Dionisio (Titti), Franca Tamantini (Carmen), Angela Goodwin (Nora Perozzi), Milena Vukotic (Alice Mascetti), Bernard Blier (Righi Niccolò), Adolfo Celi (Professor Sassaroli), Marisa Traversi (Bruna, amante de Perozzi), Maurizio Scattorin (Luciano Perozzi), Edda Ferronao, Mario Scarpetta, Giorgio Iovine, Mauro Vestri, Rossana Pinarello, Rinaldo Mirannalti, Ughino Benci, Omero Capanna, Sergio Forconi, Ulla Johannsen, Brunella Pronello, Mario Scutri, Valeria Vitti, etc. Duração: 140 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Distribuição em DVD (Brasil): All (Grandes Files Europa); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 23 de Dezembro de 1976.

VITTORIO DE SICA


ONTEM, HOJE E AMANHÃ (1964)

Durante os anos 60, intensificou-se a prática de produzir filmes em episódios. Sobretudo na Europa, nomeadamente em França e Itália. Depois a prática difundiu-se para outras latitudes. Nessa década, sobretudo no campo da comédia, surgiram muitas obras compostas por vários sketches, histórias independentes umas das outras, muitas vezes permitindo reunir diversos cineastas (o caso de “Rogopag”, por exemplo), outras vezes jogando com a multiplicação de personagens criadas pelos mesmos actores. Caso deste “Ontem, Hoje, Amanhã”, uma realização de Vittorio De Sica que, com base no trabalho de Sophia Loren e Marcello Mastroianni, agrupa três pequenas histórias onde os dois excelentes actores vivem apontamentos passados respectivamente em Nápoles, Milão e Roma, com resultados desiguais é certo, mas todos eles com alguma graça, um vislumbre de crítica social, e um esboço de quadro humano de uma época que se afastava já da Itália miserável e destruída do pós-guerra. Na verdade, a península transalpina, bem como quase toda a Europa Ocidental, vivia sob o que se chamaria então o “milagre económico”, por impulso do plano Marshall.
Todos os episódios de “Ontem, Hoje, Amanhã” partem de histórias com assinaturas prestigiadas. “Adelina”, o primeiro, que julgamos o mais interessante, melhor desenvolvido e onde os dois actores se afirmam plenamente, baseia-se numa ideia do dramaturgo Eduardo De Filippo, com adaptação de Isabella Quarantotti; o segundo, “Anna”, tem na base uma novela de Alberto Moravia, "Troppo Ricca", que foi desenvolvida para cinema pelo próprio, com colaboração de Cesare Zavattini, Bella Billa e Lorenza Zanuso; finalmente, o terceiro, ficou a cargo de Cesare Zavattini. São três “anedotas” do quotidiano em três ambientes sociais diversos que se caracterizam um pouco em função do seu enquadramento geográfico.
“Adelina” é tipicamente napolitano, popular, exuberante, excessivo. Adelina é uma vendedora de tabaco clandestino, “cigarros americanos, ingleses e suíços”, apregoa ela, e é multada por essa actividade. Como não paga a multa, nem tem móveis para serem arrestados, vê-se na contingência de ser presa, mas, como está grávida, não é levada pelos polícias que são obrigados por lei a esperar até seis meses depois do parto. O que leva Adelina a engravidar sucessivamente, perante a cumplicidade do bairro onde vive, com marido e uma ninhada de filhos que não pára de se reproduzir. O episódio prolonga um pouco o tom parabólico de “Milagre em Milão”, com a boa vontade e colaboração de todos para resolverem o problema desta poedeira inesgotável, que todavia consegue exaurir o marido. A composição das figuras é muito boa, Sophia Loren e Marcello Mastroianni estão como peixe na água, no seu elemento.
Na segunda história, com a industriosa cidade de Milão por cenário, Anna, mulher de um industrial milionário, aborrece-se de morte com belos vestidos, carros de luxo, e amantes que vai recrutando sucessivamente para matar o tédio. Marcello Mastroianni é apenas mais um, um intelectual com problemas de consciência. Dir-se-ia que Vittorio De Sica invade os terrenos de Michelangelo Antonioni e que Sophia Loren faz-se passar por Monica Vitti, com a sua solidão desesperada na paisagem industrial milanesa.
Finalmente, o terceiro sketch, “Mara”, tem por paisagem de fundo uma praça romana, e como protagonista uma desenvolta prostituta que recebe os clientes de luxo no seu apartamento nas águas furtadas de um edifício, paredes meias com um outro habitado por um casal de velhotes que têm consigo um neto seminarista que se deixa deslumbrar pelas curvas (e as rectas) da sedutora Mara, uma Sophia Loren imparável nos seus strip-teases.
São, como já se disse, apenas “anedotas” divertidas, polvilhadas por uma terna crítica de maus (e bons) costumes, onde se nota o dedo do realizador, através de alguns dos temas que são constantes na sua filmografia (a mulher, a sensualidade, a pureza das crianças, os ambientes populares, uma crítica não muito feroz ao poder do capital e à hipocrisia dominante, um elenco e uma equipa técnica perseverantes, etc.).
Deve acrescentar-se ainda que esta produção de Carlo Ponti tem uma envolvência musical muito interessante, da autoria de Armando Travajoli, o compositor habitual das obras de De Sica, e que apresenta uma excelente fotografia, a cores, de um mestre, Giuseppe Rotunno.
Mas, apesar de tudo o que se possa dizer em favor desta comédia italiana, há que ficar surpreendido com o Oscar que ganhou em 1965, na categoria de Melhor Filme em Língua não Inglesa. Entretanto, nos Globos de Ouro de 1964, recebeu o Prémio Samuel Goldwyn. Mas não foram estes os únicos grandes prémios que arrecadou. Nos BAFTAs ingleses, Marcello Mastroianni foi considerado o melhor actor, e, em Itália, coube-lhe o David di Donatello para Melhor Filme do Ano. Julgamos tudo isto algo excessivo para uma obra interessante, mas definitivamente menor no conjunto da filmografia de Vittorio De Sica.

ONTEM, HOJE E AMANHÃ
Título original: Ieri, Oggi, Domani
Realização: Vittorio De Sica (Itália, França, 1964); Argumento: Isabella Quarantotti , Eduardo De Filippo, segundo história deste  ("Adelina") , Cesare Zavattini, Bella Billa, Lorenza Zanuso, Alberto Moravia, segundo história deste ("Anna", da novela "Troppo Ricca"), Cesare Zavattini ("Mara") ; Produção: Carlo Ponti; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (cor): Giuseppe Rotunno; Montagem: Adriana Novelli; Design de produção: Ezio Frigerio; Gurada-roupa: Piero Tosi; Direcção de produção: Mario Abussi, Antonio Altoviti, Mario Di Biase; Assistaentes de realização: Luisa Alessandri, Nino Segurini; departamento de arte: Andrea Crisanti; Som: Ennio Sensi; Companhias de produção: Compagnia Cinematografica Champion, Les Films Concordia; Intérpretes: Sophia Loren (Adelina Sbaratti / Anna Molteni / Mara), Marcello Mastroianni (Carmine Sbaratti / Renzo / Augusto Rusconi), Aldo Giuffrè (Pasquale Nardella ("Adelina"), Agostino Salvietti - Dr. Verace ("Adelina"), Lino Mattera - Amedeo Scapece ("Adelina"), Tecla Scarano - Verace's sister ("Adelina"), Silvia Monelli - Elivira Nardella ("Adelina"), Carlo Croccolo - Auctioneer ("Adelina"), Pasquale Cennamo - Chief Police ("Adelina"), Tonino Cianci - ("Adelina"), Armando Trovajoli - Giorgio Ferrario ("Anna"), Tina Pica - Grandmother Ferrario ("Mara”), Gianni Ridolfi - Umberto ("Mara"), Gennaro Di Gregorio - Grandfather ("Mara"), etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M12 anos.




MATRIMÓNIO À ITALIANA (1964)

“Filumena Marturano” é a peça teatral de Eduardo De Filippo, adaptada a cinema por Renato Castellani, Tonino Guerra, Leonardo Benvenuti e Piero De Bernardi, que está na base desta comédia de costumes que Vittorio De Sica realiza em 1964, com excelentes resultados de bilheteira e um algo surpreendente sucesso de crítica, não tanto em Itália (e nalguns países europeus, onde a crítica marxista ortodoxa não perdoa a De Sica o aligeirar de tom), mas sobretudo nos EUA, onde foi nomeado para Oscars, para Melhor Filme em Língua não Inglesa, e para Melhor Actriz.
Durante a II Guerra Mundial, com a Itália dilacerada pelo conflito e enjaulada no fascismo mussoliniano, Domenico Soriano (Marcello Mastroianni), um sedutor homem de negócios que se vai desenvencilhando bem das dificuldades, sabe-se lá como, mas calcula-se, consegue equilibrar com agilidade essa actividade com a de conquistador barato, que vai levando à certa as garotas com que se cruza. Uma delas, Filumena Marturano (Sophia Loren), encontra-a numa casa de passe, numa noite de bombardeamentos, e ficam clientes um do outro. As visitas intensificam-se no bordel, mas depois Domenico põe casa a Filumena e sabe-se que vivem felizes por 22 anos. Quando, porém, Filumena descobre que Domenico está para casar com outra, encena um ataque de coração fatal e, às portas da morte, com médico e sacerdote no quarto, leva Domenico a casar com ela. Mas a assinatura está feita, a doente imaginária arrebita e confessa a artimanha ao seu agora marido que não acha graça ao estratagema. Há um plano magnífico, com Domenico ao telefone, assegurando que a agora sua mulher está pronta a ir para o outro mundo, quando surge no fundo do enquadramento o fantasma dessa moribunda Filumena, que afirma convictamente que está bem viva, graças a Deus!
Depois de várias peripécias, Filumena aceita desligar-se do compromisso, mas tem em mente uma outra artimanha. Revela finalmente a Domenico que tem três filhos, e sem indicar qual, acrescenta que um deles é filho dele. Claro que o galã sedutor sente a voz do sangue, quer auxiliar o filho, mas… por qual optar?
A peça de Eduardo De Filippo é um clássico da comédia de costumes italianos, põe a descoberto muito da vida quotidiana da sociedade italiana do pós-guerra, denunciando o marialvismo e o que com ele se encontra relacionado, oferecendo uma crítica contundente por um lado, mas enternecedora por outro. O filme de De Sica serve-se com agilidade desta estrutura para fazer sobressair a interpretação de dois dos actores de eleição do cineasta e de toda a cinematografia transalpina, Marcelo Mastroianni e Sophia Loren, ambos transbordantes de vitalidade e de talento, em duas composições brilhantes.
Claro que este já não é o Vittorio De Sica da época do neo-realismo duro e puro. É um cineasta habituado ao que outrora combatera, grandes histórias, actores que são vedetas internacionais, grandes orçamentos, muita cor e alegria, mesmo a tratar os temas mais delicados. Estamos já no domínio do que se chamou a comédia à italiana, que tantos e tão bons produtos nos deu nos anos 50, 60 e 70, entre os quais algumas obras-primas. Não será o caso deste “Matrimónio à Italiana” que, todavia, não mereceu as críticas ferozes de alguns dogmáticos de então e sobrevive ainda hoje com frescura e espontaneidade, recortando com bonomia quadros da vida diária. Muito boa a partitura musical de Armando Trovajoli e a bela fotografia de Roberto Gerardi.
“Matrimonio à Italiana” ganhou o David di Donatello de 1965 para melhor realizador e também o de melhor produção (Carlo Ponti). Alcançou ainda o Globo de Ouro do mesmo ano para filme do ano e viu nomeados Sophia Loren e Marcello Mastroianni para melhor actriz e actor de comédia ou musical.

MATRIMÓNIO À ITALIANA
Título original: Matrimonio all'italiana
Realização: Vittorio De Sica (Itália, França, 1964); Argumento: Renato Castellani, Tonino Guerra, Leonardo Benvenuti, Piero De Bernardi, segundo peça teatral de Eduardo De Filippo ("Filumena Marturano"); Produção: Carlo Ponti, Joseph E. Levine; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (cor): Roberto Gerardi; Montagem: Adriana Novelli; Design de produção: Carlo Egidi; Decoração: Dario Micheli; Maquilhagem: Giuseppe Annunziata, Giuseppe Banchelli, Ada Palombi, Amalia Paoletti, Giancarlo De Leonardis; Direcção de produção: Claudio Mancini, Alfredo Melidoni, Jone Tuzi; Assistentes de realização: Luisa Alessandri, Franco Indovina, Franco Montemurro; Som: Vittorio De Sisti; Ennio Sensi; Efeitos especiais: Stefano Ballirano, Stefano Camberini; Companhias de produção: Compagnia Cinematografica Champion, Les Films Concordia (Paris); Intérpretes: Sophia Loren (Filumena Marturano), Marcello Mastroianni (Domenico Soriano), Aldo Puglisi (Alfredo), Tecla Scarano (Rosalia), Marilù Tolo (Diana), Gianni Ridolfi (Umberto), Generoso Cortini (Michele), Vito Moricone (Riccardo), Rita Piccione (Teresina), Lino Mattera, Alfio Vita, Alberto Castaldi, Anna Santoro, Enza Maggi, Mara Marilli, Antonietta D'Onofrio, Raffaello Rossi Bussola, Vincenzo Aita, Vincenza Di Capua, Pia Lindström, etc. Duração: 102 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M12 anos.

PIETRO GERMI


SEDUZIDA E ABANDONADA (1964)
SENHORAS E CAVALHEIROS (1966)

Pietro Germi começou a sua carreira de realizador por temas sérios e posições sociais assumidas com coragem, em obras quase todas abertamente neorrealistas, como “A Testemunha” (1946), sua primeira longa-metragem, passando por “Gioventù Perduta”, “Em Nome da Lei”, “O Caminho da Esperança”, “A Cidade Defende-se”, “O Bandido da Cova do Lobo”, “O Ferroviário”, “O Homem de Palha” ou “A 3 ª Chave” (este último de 1959). Depois, o seu cinema, mantendo o tom de crítica social que nunca abandonou, aproxima-se da comédia com “Divórcio à Italiana” (1961), “Seduzida e Abandonada”, “Senhoras e Cavalheiros”, “O Imoral”, “Serafino”, até “Alfredo, Alfredo” (1972), seu derradeiro trabalho neste campo.
“Divórcio à Italiana” (1961), “Seduzida e Abandonada” (1964) e “Senhoras e Cavalheiros” (1966) pertencem a uma trilogia dedicada por Germi à análise e crítica das relações familiares em sociedades provincianas e fechadas, onde imperam valores morais absolutamente retrógrados.
Abordando de forma satírica, mas num tom que oscila entre a farsa e a tragicomédia, estas obras representam um olhar crítico implacável sobre alguns aspectos da sociedade italiana do pós-guerra. Poder-se-ia dizer que, por extensão, esta crítica se poderia dirigir igualmente a muitas outras sociedades, mas a verdade é que estes três filmes se dirigem muito em particular a Itália e a certos fenómenos que, podendo ser mais abrangentes, são, todavia, muito característicos de Itália, ou então de núcleos de italianos radicados noutros países. Estamos a pensar obviamente nos EUA e em “Little Italy”. Um certo machismo e ideias absurdas de “onorabilità” estritamente impostas pela “cosa nostra” e que radicam em conceitos de poder, ódio, vingança, corrupção, traição, morte. “Ninguém sai vivo da Cosa Nostra”, é uma das máximas da máfia italiana.
Peguemos no caso de “Seduzida e Abandonada”, rigorosamente ambientado numa pequena comunidade siciliana, em torno de uma família tradicionalista, com um patriarca austero, Don Vincenzo Ascalone (Saro Urzì), empresário de construção civil ou afins. Na sua casa habitam duas filhas, uma, Matilde (Paola Biggio), prometida de Peppino Califano (Aldo Puglisi), e uma outra, mais nova, menor de idade, Agnese Ascolone (Stefania Sandrelli). Numa tarde de verão, com a família a saborear uma sesta, Peppino apanha Agnese sozinha a estudar, encurrala-a na cozinha, e acaba por convencê-la a manter relações sexuais com ele. O facto poderia passar desapercebido, não fora o caso de Agnese ficar grávida e o escândalo rebentar, primeiramente no interior da família, com repercussões inevitáveis para o exterior, caso se viesse a saber. O que deriva daqui e desta busca incessante de honorabilidade é o que o filme documenta de forma satírica, é obvio, mas igualmente dramática.
A febre de esconder o óbvio e de mascarar a realidade é espantosa, bem assim como algumas outras questões que surgem relacionadas com estas: por exemplo Peppino Califano, depois de descoberto, é posto perante a imposição de casar com Agnese para reparar o mal feito, mas recusa-se com um argumento extraordinário: se ela foi capaz de ter relações comigo antes de casar, eu não caso com essa “putana”. A mulher não é tida nem achada para encontrar uma solução para o problema e tudo se passa nas suas costas, com ela encerrada num quarto esconso com ordens para só sair para ir ao wc. Tudo para "limpar o nome da família" e procurando-se ainda que a irmã Matilde não venha a descobrir a “falha” que foi perpetrada na sua ausência.
Para ocultar a desonra, Don Vincenzo Ascalone arquitecta mesmo um plano alternativo, que era casar Agnese com um tal Rizieri (Leopoldo Trieste), um barão arruinado, suicida falhado, desdentado, falido a quem Don Vincenzo Ascalone promete dentes novos.
Enfim, um bom exemplo de uma violência psicológica (e física) que surpreende, com base numa hipocrisia colectiva intolerável, mas que fazia lei, em plenos anos 60 do século passado em muitos lugarejos de Itália, não só na Sicília. 
Diga-se, ainda, que os intérpretes desta obra sustentam a um nível elevadíssimo os propósitos de Pietro Germi, aqui num dos seus momentos de glória no campo da comédia. Saro Urzì, em particular, no papel de chefe família, Stefania Sandrelli, na bela e sensualíssima Agnese Ascalone, Aldo Puglisi, Lando Buzzanca e Leopoldo Trieste forma uma equipa deslumbrante na sua mesquinhez e malvadez. Mas Pietro Germi não é realizador para demonizar personagens, e todas elas apresentam contornos de alguma humanidade. O erro não são elas, mas a sociedade que as forma (deforma). 


Senhoras e Cavalheiros” surge dois anos depois e, com ele, Germi ganha a Palma de Ouro do 19º Festival de Cannes, ex aequo com “Um Homem e Uma Mulher”, de Claude Lelouch.Signore & Signori” é outro dos grandes momentos da comédia italiana dos anos 60, baseando-se num argumento, em estilo de crónica, da autoria do próprio Germi e de especialista do género, como são Luciano Vincenzoni, Age & Scarpelli ou Ennio Flaiano. Parece que a escrita do guião não terá corrido de forma muito pacífica. A ideia original diz-se que pertenceu a
Luciano Vincenzoni (que já havia colaborado com Germi em “Il ferroviere” e “Sedotta e abbandonata”, para lá de ser seu sócio na casa produtora do filme), que depois contou com a colaboração dos outros em etapas sucessivas. Mas houve desinteligências em Germi e Vincenzoni, e este acaba por nem sequer surgir creditado no genérico.
A estrutura poderia ser a de um filme em episódios tão frequente e popular na época, mas os responsáveis preferiram organizar o filme ao redor de três histórias, sem as compartimentarem. Mas a narrativa desenvolve-se muito livremente, evoluindo ao sabor de um estilo solto, que quase se aproxima do documentário ou da reportagem. Não existe o que se possa considerar uma história com princípio, meio e fim, mas antes diversos apontamentos que se desenvolvem consoante a importância de cada um, qualquer deles documentando aspectos da hipocrisia de sociedade e, sobretudo, da relação homem-mulher. Neste particular, os homens ocupam destacados lugares de típicos predadores, apesar das mulheres não se eximirem de um aproveitamento mais ou menos consciente das situações.
Estamos em pelo boom económico em Itália, os tempos difíceis da guerra e do pós-guerra já passaram, o que impera agora é o “dolce far niente” nas esplanadas das cidades de província, como Treviso, onde se passa grande parte da obra, vendo passar as belas “ragazzas” cujo andar se acompanha com euforia. Nada de muito sério, aparentemente e, todavia, através destes esboços de comportamento muito de significativo sobre o modo de funcionar de uma sociedade pode ser radiografado. Virna Lisi, Moira Orfei, Gastone Moschin, Alberto Lionello, Franco Fabrizi, entre outros, são os protagonistas desta crónica de maus costumes, onde o dinheiro tudo comanda.
Germi parece deixar a câmara evoluir ao sabor das personagens e das situações, utilizando muitas vezes o zoom como forma de captar imagens à distância, como se os actores fossem figuras de um dia a dia sem encenação. Mais uma comédia amarga, que se vê com um sorriso, mas onde, de vez em vez, se instala igualmente uma dolorosa certeza sobre a pobreza indigente da condição humana. Como sempre em Germi o “caminho da esperança” é espinhoso.

SEDUZIDA E ABANDONADA
Título original: Sedotta e abbandonata
Realização: Pietro Germi (Itália, 1964); Argumento: Pietro Germi, Luciano Vincenzoni, Agenore Incrocci, Furio Scarpelli; Produção: Franco Cristaldi, Carlo Rustichelli; Fotografia (cor): Aiace Parolin; Montagem: Roberto Cinquini; Direcção artística: Carlo Egidi; Decoração: Andrea Fantacci; Guarda-roupa: Carlo Egidi; Maquilhagem: Raffaele Cristini, Vitaliana Patacca; Direcção de Produção: Luigi Giacosi, Antonio Musu, Marcello Papaleo, Andrea Petricca, Assistentes de realização: Renzo Marignano, Francesco Massaro; Departamento de arte: Gino Lazzari; Som: Franco Bassi, Venanzio Biraschi, Guido Nardone; Companhias de produção: Lux Film, Ultra Film, Vides Cinematografica, Lux Compagnie Cinématographique de France; Intérpretes: Stefania Sandrelli (Agnese Ascalone), Saro Urzì (Don Vincenzo Ascalone), Aldo Puglisi (Peppino Califano), Lando Buzzanca (Antonio Ascalone), Lola Braccini (Amalia Califano), Leopoldo Trieste (barão Rizieri Zappalà), Umberto Spadaro (advogado Ascalone), Paola Biggio (Matilde Ascalone), Rocco D'Assunta (Orlando Califano), Oreste Palella (Polenza), Lina Lagalla, Gustavo D'Arpe, Rosetta Urzì, Roberta Narbonne, Vincenzo Licata, Attilio Martella, Adelino Campardo, Salvatore Fazio, Italia Spadaro, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Distribuição DVD: Regia Films (Espanha); Classificação etária: M/ 12 anos. (original em italiano, com legendas em espanhol).

SENHORAS E CAVALHEIROS
Título original: Signore & signori (original title)
Realização: Pietro Germi (Itália, 1966); Argumento: Luciano Vincenzoni, Pietro Germi, Agenore Incrocci, Furio Scarpelli; Produção: Pietro Germi, Robert Haggiag; Música: Carlo Rustichelli; Fotografia (cor): Aiace Parolin; Montagem: Sergio Montanari; Design de produção: Carlo Egidi; Decoração: Andrea Fantacci,Luigi Lazzari; Guarda-roupa: Angela Sammaciccia;  Maquilhagem: Raffaele Cristini, Vitaliana Patacca; Direcção de Produção: Gianni Cecchin, Luigi Giacosi, Lino S. Haggiag; Assistentes de realização: Gian Maria Ferretto, Michael Haggiag, Francesco Massaro; Som: Venanzio Biraschi, Vittorio Trentino; Companhias de produção: Dear Film Produzione, Les Films du Siècle, R.P.A. Cinematografica rgio Graziani; Intérpretes: Virna Lisi (Milena Zulian), Gastone Moschin (Osvaldo Bisigato), Alberto Lionello (Toni Gasparini), Olga Villi  (Ippolita Gasparini), Beba Loncar (Noemi Castellan), Franco Fabrizi (Lino Benedetti), Nora Ricci (Gilda Bisigato), Gigi Ballista (Giacinto Castellan), Gia Sandri (Betty Scodeler, Quinto Parmeggiani (Giovanni Soligo), Moira Orfei (Giorgetta Casellato), Aldo Puglisi (Carabiniere Mancuso), Gustavo D'Arpe, Alberto Rabagliati, Patrizia Valturri, Carlo Bagno, Giulio Questi, Stefano Satta Flores, Virgilio Gazzolo, Elia Guiotto, Virgilio Scapin, Sergio Fincato, Giancarlo Fontanieri, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Distribuição DVD: Regia Films (Espanha); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 21 de Julho de 1975. (original em italiano, com legendas em espanhol).


ETTORE SCOLA


FEIOS, PORCOS E MAUS (1976)

Ettore Scola teve um início de carreira como argumentista, tendo-se estreado na realização com algumas comédias curiosas, mas a explosão internacional do seu nome deu-se fundamentalmente com “Tão Amigos que Nós Eramos”, uma obra realmente invulgar no panorama do cinema transalpino. Daí em diante, foi assinando um conjunto de filmes quase sempre muito interessantes e que oferecem um retrato crítico, lúcido e pertinente da sociedade italiana do pós-guerra.
Com “Feios, Porcos e Maus” terá dirigido uma das suas películas mais agressivas e contundentes, tendo como cenário um bairro da lata da periferia de Roma, onde Giacinto Mazzatella, o chefe de uma numerosa e turbulenta família, tudo fará para manter intacta a sua autoridade. Uma panorâmica inicial descreve esse barracão infecto onde vivem amontoadas dezenas de pessoas, nas condições mais degradantes. Giacinto, segundo se percebe, terá queimado um olho para receber um prémio que esconde de toda a restante família que, por sua vez, o tenta roubar por todos os meios, dos mais simplórios aos mais brutais. A miséria e os conflitos que um tal estado de coisas acarretam (“em casa sem pão, todos ralham e ninguém tem razão”) estão na base destes “feios, porcos e maus” de humor retintamente negro, onde a falta de horizontes conduz a situações de verdadeira claustrofobia. Mas Scola consegue alguns prodígios nesta obra sem concessões: por um lado, nenhuma falsa esperança nos é permitida neste universo em decomposição; por outro, com base neste beco sem saída, o cineasta consegue ainda olhares de ternura e vozes de ingenuidade e pureza.
“Feios, Porcos e Maus” corresponde, pois, ao período de maior sucesso de Scola. Galardoado com a Palma de Ouro de Cannes, Scola é já, por esses dias, um dos nomes grandes da cinematografia transalpina. O seu filme penetra profundamente num cenário pouco habitual, os bairros de lata, e aí se instala de forma igualmente pouco ortodoxa: em lugar do tradicional olhar de comiseração e piedade para com os “pobres desgraçados” que “até não são maus tipos”. “Feios, Porcos e Maus” indica a inexorabilidade de um destino: empurrados para esses guetos de miséria e depravação, de promiscuidade e horror, que outra coisa poderão ser esses homens senão feios, porcos e maus? Sem qualquer vestígio de especulação oportunista, mantendo um rigor de análise e crítica que o colocam numa posição moral inatacável, Scola viaja até ao fundo da noite e da ignomínia sem uma hesitação. Repulsivos são os outros. Certamente os que permitem que tais bairros continuem a formar e deformar crianças, explorar homens, violentar mulheres, enterrar velhos.
A comédia italiana continuava, com humor, inteligência e vivacidade, a dar-nos o retrato crítico de uma sociedade. Com talento e sucesso público. Uma lição. Refira-se ainda a fabulosa composição de Nino Manfredi, muito bem acompanhado, aliás, por todo o elenco de autênticos “freaks”.

FEIOS, PORCOS E MAUS
Título original: Brutti, sporchi e cattivi
Realização: Ettore Scola (Itália, 1976); Argumento: Ruggero Maccari, Ettore Scola; Produção: Romano Dandi, Carlo Ponti; Música: Armando Trovajoli; Fotografia (cor): Dario Di Palma; Montagem: Raimondo Crociani; Design de produção: Luciano Ricceri, Franco Velchi; Decoração: Jean Robert Marquis; Guarda-roupa: Danda Ortona; Maquilhagem: Adalgisa Favella, Franco Freda; Direcção de Produção: Luigi Anastasi; Assistentes de realização: Silvio Ferri, Marco Pettini, Giorgio Scotton; Departamento de arte: Luciano Targuini, Nello Zetti; Som: Luciano Anzellotti, Carlo Palmieri, Manlio Urbani; Efeitos especiais: Fratelli Ascani; Companhias de produção: Compagnia Cinematografica Champion, Surf Film; Intérpretes: Nino Manfredi (Giacinto Mazzatella), Maria Luisa Santella (Iside), Francesco Anniballi (Domizio), Maria Bosco (Gaetana), Giselda Castrini (Lisetta), Alfredo D'Ippolito (Plinio), Giancarlo Fanelli (Paride), Marina Fasoli (Maria Libera), Ettore Garofolo (Camillo), Marco Marsili (Marce), Franco Merli (Fernando), Linda Moretti (Matilde), Luciano Pagliuca (Romolo), Giuseppe Paravati (Tato), Silvana Priori, Giovanni Rovini, Adriana Russo, Mario Santella, Ennio Antonelli, Marcella Battisti, Francesco Crescimone, Beryl Cunningham, Silvia Ferluga, Zoe Incrocci, Franco Marino, Marcella Michelangeli, Clarisse Monaco, Aristide Piersanti, Assunta Stacconi, etc. Duração: 115 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos.

 OS REALIZADORES


DINO RISI (1917-2008)

Em 1953, em pleno apogeu do “Neo-Realismo” em Itália, um grupo de realizadores e argumentistas lançou uma obra colectiva que ficou conhecida como manifesto desse movimento estético, cultural, cinematográfico e social e político também. Chamava-se “Retalhos da Vida” (no original “L’ Amore in città”, e agrupava alguns cineastas, cada um deles assinando um episódio, Michelangelo Antonioni (segmento "Tentato suicido"), Federico Fellini (segmento "Un Agenzia matrimoniale'"), Alberto Lattuada (segmento "Gli Italiani si voltano"), Carlo Lizzani (segmento "L’ Amore che si paga'"), Francesco Maselli (segmento "Storia di Caterina"), Dino Risi (segmento "Paradiso per 4 ore") e Cesare Zavattini (segmento "Storia di Caterina"). Cesare Zavattini, sobretudo argumentista, fora o mentor do projecto. Michelangelo Antonioni e Federico Fellini subiram ao céu dos génios; Carlo Lizzani ia perder-se numa ortodoxia asfixiante, Francesco Maselli seria um dos arautos de um neo-neorrealismo nos anos 60 e 70, Cesare Zavattini ficaria para sempre como um dos intelectuais marxistas que moldara grande parte do movimento, em Itália, no cinema, mas também em todas as formas artísticas e em todo o mundo. Ficam Alberto Lattuada e Dino Risi, que se afastaram um pouco da ortodoxia do neo-realismo, optando por uma crítica de costumes de raiz satírica da realidade italiana do pós-guerra que nos deu exemplos magníficos de obras inesquecíveis. Não foram considerados tão geniais como outros companheiros de percurso, mas andaram perto, e não subiram mais porque os preconceitos da época os classificaram com a depreciativa designação de “neo-realistas rosas”, o que é objectivamente uma mentira e uma afronta.
No caso de Dino Risi ele foi um cineasta magnífico, um retratista implacável, um aguarelista inspirado na descrição de um tempo, de uma sociedade, de um clima social.
Dino Risi nasceu a 23 de Dezembro de 1917, em Milão, Lombardia, Itália, e faleceu a 7 Junho de 2008, em Roma, Lazio, igualmente em Itália. Ele próprio escreveu que “nascera do ano da Revolução Russa e no ano do primeiro “Giro d’Italia.” Agora que desapareceu, aos 91 anos, foi considerado unanimemente como “o pai da comédia de costumes italiana”. Mas, durante muitos anos, foi geralmente subestimado, considerado “menor”, o que parece paradoxal para um cineasta que conta, na sua vasta filmografia, algumas obras-primas do cinema italiano, simultaneamente de uma qualidade cinematográfica e interesse sociológico impares e grandes sucessos de público. “A Ultrapassagem”, “Uma Vida Difícil”, “Os Monstros” ou “Perfume de Mulher” bastavam para o colocar no panteão da cinematografia transalpina. 
Um ano antes da sua morte, ele, que tinha o sentido de humor apurado, comentou o desaparecimento, quase simultâneo, de Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman, profetizando que "poderia partir de uma hora para a outra, mas que agora gostaria de esperar um pouco mais. Se morro agora, os jornais vão colocar a notícia na secção de desporto.”
Dino Risi escreveu uma curta e saborosa autobiografia, onde comenta alguns dos passos mais relevantes da sua vida. O pai, Arnaldo Risi, era médico, e melómano, razão certamente pela qual era médico do Scala de Milão. Há uma curiosa fotografia do pai, durante a I Guerra Mundial, capitão médico, que comandava uma companhia de que fazia parte um cabo de nome Bento Mussolini. Conta como aos dez anos foi entregue aos cuidados de um músico famoso, Premoli, de 80 anos, que tentou ensinar-lhe violino. Em vão. No primeiro concerto, desafinou, espatifou o violino com a revolta e nunca mais quis ouvir falar nessa tortura. Conta também que, por essa altura, fazia férias em casa de família amiga, onde se apaixonou por uma tal Milena, loura, de igual idade, dez aninhos, com quem foi apanhado aos beijinhos, uma noite, na cama dela. Resultado, acabaram-se as férias e o amor de Milena. Mas outros amores foram aparecendo até se casar, em 1943, com Cláudia Mosca. O casal teve dois filhos, ambos hoje “registas” (realizadores, Claudio Risi e Marco Risi).
Mas antes, muita água iria correr. O pai faleceu quando era muito jovem, a mãe teve de encarregar-se da educação dos filhos e do sustento diário da família, foram anos de dificuldade. Frequentou o liceu Berchet, entre 1931 e 39. O liceu tinha fama de ser dos melhores de Milão e de Itália, por lá passava a fina-flor dos filhos dos intelectuais milaneses. Começou a escrever num jornal satírico, “Bertoldo”. Em 1941, o cinema, como por acaso. Um dia, em 1941, falando com o amigo Alberto Lattuada, que preparava o novo filme de Mario Soldati, “Piccolo mondo antico”, foi-lhe proposto um lugar na equipa técnica, que aceitou mais por desporto do que por gosto. A seguir esteve como assistente de realização do próprio Alberto Lattuada, em "Giacomo l'idealista" (1942). Mas estudava medicina e, depois de uma permanência em Itália, no regresso diploma-se em psiquiatria e começa a trabalhar como interno no hospital de Pádua, e depois do hospício de Voghera. Tudo indicava que nascia mais um médico, mas afinal o bichinho do cinema fez estragos. Com a guerra, resolve partir para a Suiça, onde conhece a futura mulher, tira um curso de encenação com Jaques Feyder, e faz amizades com o encenador e dramaturgo Giorgio Strehler.
De regresso a Itália, finda a guerra, volta a Milão em 1945. Começa a escrever contos e textos para jornais e revistas, e críticas de cinema para “Milano Sera”, nessa altura dirigido por Elio Vittorino e Alfonso Gatto. Gigi Martello, um produtor, convida então Dino Risi a realizar uma série de cerca de vinte curtas e médias-metragens documentais, o que o ocupa entre os anos de 46 e 50. Um desses trabalhos, talvez o mais citado, é "Buio in sala", que é vendido a Carlo Ponti, que o chama para Roma, onde se instala, e começa a escrever, com outros, um argumento para uma diva da altura, Silvana Mangano. O filme será “Anna”, que Lattuada dirige, e que se afirma como um dos maiores êxitos de sempre do cinema italiano. Dino Risi via abrir-se a porta da grande indústria. Em 1951, filma "Vacanze col gangster", tenta rodar, em 1953, um filme na produtora brasileira, de São Paulo, “Vera Cruz”, sem sucesso. Depois, com Sophia Loren e Vittorio de Sica, dirige o seu primeiro filme de fôlego, "O Signo de Vénus", e o título de encerramento de uma trilogia iniciada por Luigi Comencini e que fez furor na época, "Pão, amor e..." (ambos em 1955). "Pobres mas Belas" (Poveri ma belli), interpretado por Marisa Allasio, em 1956, é um relativo triunfo. O neo-realismo tinha esgotado as suas fórmulas e Dino Risi, com alguns outros realizadores e argumentistas, retomam a fórmula, mas sob o prisma de comédia de costumes. A história roda à volta de um grupo de jovens romanos, oriundos da pequena burguesia, que falam mais de amor e problemas do dia a dia do que de política e questões sociais. O público acorre. A crítica fala, de forma depreciativa, de um “neo-realismo rosa”. Hoje em dia são documentos impressionantes de caracterização sociológica de uma época precisa e de uma situação italiana determinada. Falava-se em “milagre económico” e na reconstrução do país no pós-guerra.
Entre 1960 e 1961 realiza “Il Mattatore”, com Vittorio Gasman, que prenuncia uma vasta e prodigiosa colaboração entre actor e cineasta, e depois "Un Amore a Roma" e "A Porte Chiuse", duas obras dramáticas sem grande sucesso, a que se seguem duas das suas obras maiores, “Una Vita Difficile” e "Il Sorpasso". Este último, “A Ultrapassagem” será possivelmente, a sua grande obra. Conta-se que na noite da estreia, ele e o produtor Mario Cecchi Gori esperaram no exterior do cinema as reacções do público. Desgostoso pelo facto de haver muito poucos espectadores, Dino Risi regressou mais cedo a casa. Três horas depois diziam-lhe, pelo telefone, que fora um sucesso, e no dia seguinte a sala estava esgotada. Dino Risi tornara-se numa nova lenda viva do cinema italiano. Fiz mais de cinquenta filmes, e estive sempre seguro de que um deles poderia vir a ser uma obra-prima.”
"I Mostri" (1963), "L'Ombrellone" (1966), "Operazione San Gennaro" (1967) e “Vedo nudo” (1969) são os títulos seguintes de uma vasta filmografia que engloba cinco dezenas e meia de longas-metragens, para lá de um importante conjunto de curtas e de telefilmes. Em 1970 roda "La Moglie del Prete" com o casal sensação desses anos, Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Nesse mesmo ano assina “In Nome del Popolo Italiano”, outra das suas obras mais conhecidas. 
"”Profumo di Donna”, de 1974, reúne Gassman e Agostina Belli, e com ele recebe o César de melhor filme estrangeiro lançado nesse ano em França. Mais tarde servirá de base a uma nova versão, norte-americana, assinada por Martin Brest, com Al Pacino no protagonista.
O cineasta trabalhou com os principais actores italianos da segunda metade do século XX, entre os quais Vittorio Gassman (uma colaboração em mais de quinze filmes, uma das mais inspiradas da história do cinema), Alberto Sordi, Ugo Tognazzi, Nino Manfredi, Totó, Sophia Loren, Marcello Mastroianni, Sylvia Koscina, Agostina Belli, Walter Chiari, Tina Pica, Amedeo Nazzari, Silvana Pampanini, Mónica Vitti, Giancarlo Giannini, Laura Antonelli, Ornella Mutti, entre muitos outros.
Nas últimas duas décadas, o cineasta envereda por um tipo de realização que se afasta do campo da comédia e penetra nos terrenos do drama e do mistério. 1975 é ainda o tempo de outra comédia primorosa, "Telefoni bianchi", a que se seguem “Anima Persa” (1977), La Stanza del Vescovo (1978), I Nouvi Mostri, (978), “Primo Amore” (1978), “Caro Papà” (1979), “Sono Fotogénico” (1980), “Fantasma d'Amore” (1981) ou “Sesso e Volentieri” (1982).
Depois, afasta-se um pouco do cinema, e continua na televisão, com telefilmes e mini-séries, de que os portugueses quase desconhecem tudo: “...e la vita continua” (TV, 1984), “Dagobert” (1984), “Scemo di guerra” (1985), “Teresa” (1987), “Carla. Quattre storie di donne” (TV) (1987), “Il commissario Lo Gatto” (1987), “La Ciociara” (TV) (1988), “Il vizio di vivere” (TV) (1989), “Tolgo il disturbo” (1990), “Vita coi figli” (TV) (1990), “Missione d'amore” (mini-série de TV) (1992), “Giovani e belli” (1996), “Esercizi di stile” (episódio "Myriam", 1996) e “Le Ragazze di Miss Itália” (TV) (2002), sua derradeira contribuição para o cinema, inteiramente rodado em Salsomaggiore, tendo por base um concurso de Miss Itália, durante o qual Dino Risi ensaia uma crítica sobre a vida quotidiana em Itália, vista através do medo, da angústia e da esperança dos participantes neste concurso.
Dino Risi vivia numa suite de um dos melhores hotéis de Roma, desde que, há dezoito anos, se divorciara da mulher Cláudia. Sobre o seu filho Marco Risi, igualmente realizador, dissera um dia: “Nunca ajudei Marco a encontrar um emprego. Quando era criança, veio muitas vezes assistir às filmagens, mas agora trabalha sem nunca me pedir qualquer sugestão. Penso que é um excelente director.” Dino Risi é irmão do fotógrafo Fernando Risi e do realizador Nelo Risi. Escreveu uma autobiografia, editada em 2004, chamada "I Miei Mostri". Durante os últimos quarenta anos manteve uma relação com a actriz Leontine Snell, vivendo cada um em sua casa. Mas ainda teve envolvimentos amorosos, que se conheçam, com as actrizes Anita Ekberg e Alida Valli.
Em 1993, o Festival de Cannes reconhece a obra deste cineasta brilhante, exibindo um ciclo com quinze das suas obras mais reputadas. Em 2002 recebe um Leão de Ouro pelo conjunto da sua carreira em Veneza (2002). Em 2004, no dia 2 de Julho, durante o qual se celebra a implantação da República, o presidente Carlo Azeglio Ciampi condecorou Dino Risi com a ordem “Cavaliere di Gran Croce”.
Quando Dino Risi morreu, Sofia Loren foi a voz de quantos o conheciam bem: "É uma grande perda para o cinema italiano". "Fazia uma comédia de costumes italiana, mas que na realidade era universal", disse o crítico italiano Valerio Caprara, lembrando que Risi "jamais se prendeu às exigências estéticas da moda". Era "um Billy Wilder à italiana", afirmou o jornal “La Repubblica”, com alguma razão. O presidente italiano, Giorgio Napolitano, disse que "Dino Risi era um observador atento dos factos e comportamentos, que imprimiu sua marca pessoal no cinema italiano". "Com Dino Risi, o cinema italiano perde um de seus pais fundadores", estimou o novo ministro da Cultura, Sandro Bondi. Para o ex-ministro da Cultura, Francesco Rutelli, "Risi foi um dos maiores poetas do século XX".

FILMOGRAFIA
COMO REALIZADOR:
1946: I Bersaglieri della Signora (documentário); Barboni (documentário); 1947: Verso la Vita (curta-metragem); Título original: Trigullio Minore (documentário); Strade di Napoli (documentário); Pescatorella (documentário); Cuore Rivelatore (curta-metragem); 1948: Segantini il Pittore della Montagna (documentário); Il Grido della Città (documentário); Cortili ; La Città dei Traffici; Caccia in Brughiera (documentário); Buio in Sala (curta-metragem); 1848 (documentario); Seduta Spiritica (documentário); 1949: La Montagna di Luce (curta-metragem); 1950: L’ Isola Bianca (documentário); Fuga dalla Città (curta-metragem); 1951: Vacanze col Gangster ou Vacation with a Gangster; 1953: Il Viale della Speranza (Um Salto para a Vida); L’ Amore in Città (Retalhos da Vida) (com Michelangelo Antonioni, Federico Fellini, Alberto Lattuada, Carlo Lizzani, Francesco Maselli, e Cesare Zavattini; 1955: Il Segno di Venere ou The Sign of Venus (O Signo de Vénus); Pane, Amore e… (Pão, Amor e…); 1957: Poveri ma Belli ou Pauvres mais beaux ou Poor But Beautiful (Os Galãs do Bairro); La Nonna Sabella ou L’ Impossible Isabelle ou Oh! Sabella (A Avó Isabel); 1957: Belle ma Povere (Belas mas Pobres); 1959: Il Vedovo (O Viúvo Alegre); Poveri Milionari (Pobres Milionários); Venezia, la luna e tu ou Venice, the Moon and You ou Venise, la lune et toi (Vebeza, a Lua e Tu); 1960: Il Mattatore ou L’ Homme aux cent visages ou Love and Larceny (O Castigador) ; Un Amore a Roma ou L´Inassouvie ou Liebesnächte in Rom ou Love in Rome; 1961: A porte chiuse (À Porta Fechada); Una Vita difficile (Uma Vida Dificil); 1962: Il Sorpasso ou The Easy Life (A Ultrapassagem); 1963: Il Successo (O Sucesso) Mauro Morassi e Dino Risi (este não creditado); La Marcia su Roma; Il Giovedi (Dia de Ferias); I Mostri (Os Monstros); 1965: Le Bambole ou Les Poupées ou The Doll that Took the Town ou The Dolls ou Four Kinds of Love (Quatro casos de Amor) Mauro Bolognini ("Monsignor Cupido"), Luigi Comencini ("Il Trattato di Eugenetica"), Dino Risi ("La Telefonata”), Franco Rossi ("La Minestra"); Il Gaucho ou Un Italiano en la Argentina ou The Gaucho (O Gaucho); I Complessi ou Complexes ou Les Complexes (Os Complexos) ; Luigi Filippo D'Amico ("Guglielmo il dentone"); Dino Risi ("Una giornata decisiva") e Franco Rossi ("Il complesso della schiava nubiana"); 1966: L’ Ombrellone ou El Parasol ou Play-boy party ou Weekend Wives ou Weekend, Italian Style (Chapéus de Sol); I Nostri mariti; Luigi Filippo D'Amico ("Il Marito di Roberta"), Dino Risi ("Il Marito di Attilia"), Luigi Zampa ("Il Marito di Olga"); Operazione San Gennaro ou Operation San Gennaro ou The Treasure of San Gennaro ou Treasure of San Gennaro ou Unser Boß ist eine Dame (Golpe de Mestre à Italiana); 1967: Il Tigre ou The Tiger and the Pussycat  (O Tigre); 1968: Straziami, ma di baci saziami ou Fais-moi mal mais couvre-moi de baisers ou Kill Me with Kisses ou Torture Me But Kill Me with Kisses (Noivado à Italiana); Il Profeta (O Profeta); 1969: Vedo Nudo (Vejo Tudo Nu); Il Giovane normale; 1971: La Moglie del Prete ou La Femme du prêtre ou The Priest's Wife (A Mulher do Padre) ; Noi donne siamo fatte così (Nós, as Mulheres somos Assim); In Nome del Popolo Italiano ou In the Name of the Italian People (Em Nome do Povo Italiano)
1973: Mordi e Fuggi ou Dirty Weekend ou Rapt à l'italienne (Fim de Semana Ilegítimo); Sessomatto (Sexo Louco); 1974: Profumo di Donna ou Scent of a Woman ou Sweet Smell of Woman ou That Female Scent (Perfume de Mulher); 1976: Telefoni Bianchi; 1977: Anima Persa ou Âmes Perdues ou Lost Soul ou The Forbidden Room (Almas Perdidas); La Stanza del vescovo ou La Chambre de l'évèque ou The Bishop's Bedroom ou The Bishop's Room (A Alcova do Bispo); 1977: I Nuovi Mostri (Os Novos Monstros); Mario Monicelli ("Autostop" e "First Aid"), Dino Risi ("Con i saluti degli amici", "Tantum ergo", "Pornodiva", "Mammina mammona" e "Senza parole"), Ettore Scola ("L'uccellino della Val Padana", "Il sospetto", "Hostaria", "Come una regina", "Cittadino esemplare", "Sequestro di persona cara" e "Elogio funebre"); 1978: Primo Amore (Nostálgia do Amor); 1979: Caro Papà ou Cher papa ou Dear Father ou Dear Papa (Caro Papá); 1980: Sono Fotogenico ou I'm Photogenic ou Je suis photogénique; Sunday Lovers ou Les Séducteurs ou I Seduttori della Domenica (Os Conquistadores de Domingo); Bryan Forbes ("An Englishman's Home"), Edouard Molinaro ("The French Method"), Dino Risi ("Armando's Notebook"), Gene Wilder ("Skippy"); 1981: Fantasma d'Amore ou Fantôme d'Amour (Fantasma de amor); 1982: Sesso e Volentieri (Loucas Aventuras de Amor e exo); 1984: e la vita continua (TV); Le Bon roi Dagobert ou Dagobert ou Good King Dagobert ; 1985: Scemo di guerra ou Le Fou de guerre ou Madman at War; 1987: Teresa; Il Commissario Lo Gatto; Carla. Quattre storie di donne (TV); 1988: Il Vizio di vivere (TV); La Ciociara (TV); 1990: Vita coi figli (TV); Tolgo il disturbo; 1992: Missione d'amore (mini-série de TV); 1996: Giovani e belli; Esercizi di stile: Sergio Citti ("Anche i cani ci guardano"), Volfango De Biasi ("Senza uscita"), Maurizio Dell'Orso ("La guerra tra noi"), Claudio Fragasso ("Guardia e ladro"), Alex Infascelli ("Se le rose pungeranno"), Francesco Laudadio ("Un addio nel West"), Luigi Magni ("Era il maggio radioso"), Lorenzo Mieli ("L'alibi"), Mario Monicelli ("Idillio edile"), Alessandro Piva ("Uno più bravo di me"), Pino Quartullo ("In ginocchio da te La vendetta"), Dino Risi ("Myriam"), Faliero Rosati ("L'esploratore"), Cinzia Th. Torrini (segmento "Ti mangerei di baci"); 2002: Le Ragazze di Miss Itália (TV)

COMO ASSISTENTES DE REALIZAÇÃO:
1941: Piccolo Mondo Antico, de Mario Soldati; 1943: Giacomo l'Idealista, de Alberto Lattuada.

COMO ARGUMENTISTA:
Muitos dos filmes realizados por Dino Riso foram escritos por si. Aqui se registam os filmes que assinou como argumentista em obras de outros realizadores: 1950: Canzoni per le Strade, de Mario Landi; 1951: Totò e i Re di Roma, de Mario Monicelli, Steno; Anna (Ana), de Alberto Lattuada; 1953: Gli Eroi della Domenica, de Mario Camerini; 1957: Montecarlo, de Samuel A. Taylor; 1958: Anna di Brooklyn, de Vittorio De Sica, Carlo Lastricati; 1992: Scent of a Woman (Perfume de Mulher), de Martin Brest.


VITTORIO DE SICA (1901-1974)

Vittorio Domenico Stanislao Gaetano Sorano De Sica nasceu a 7 de Julho de 1901, em Sora, Lazio, Itália, e viria a falecer a 13 de Novembro de 1974, com 73 anos, em Neuilly-sur-Seine, Hauts-de-Seine, França. Filho de Umberto De Sica, empregado bancário, e de Teresa Manfredi. A sua juventude não foi o que se possa dizer bafejada pela sorte. Passou por dificuldades, numa família pobre da pequena burguesia. “Umberto D.” é dedicado ao pai e de certa forma evoca esses tempos difíceis. No fim da primeira guerra mundial, diploma-se em Contabilidade e estuda no Instituto Superior de Comércio. Casado com a actriz italiana Giuditta Rissone (1937–1954) e depois com a também actriz, mas catalã, Maria Mercader (1959–1974). Pai de Emi De Sica, Manuel De Sica e Christian De Sica.
Oscilando entre a contabilidade, um emprego num banco ou o funcionalismo público, mas acaba por ir parar ao teatro, depois de um encontro com um amigo, Gino Sabbatini, que lhe anuncia ter entrado para a companhia da actriz Tatiana Pavlova. De Sica tenta igualmente a sua sorte e é logo admitido em pequenos papéis. Começa, pois, cedo a sua carreira de actor, no teatro e no cinema (1917). Dá os primeiros passos na companhia de Tatiana Pavlova (“Sogno d'Amore Ashanta”), passando depois pelas companhias de Luigi e Italia Almirante Manzini (“L'Art et la Maniere”), Luigi Almirante, Giuditta Rissone e Sergio Tofano, durante o período 1927- 1928, representando clássicos da cena europeia, até chegar a primeiro actor, em 1930, na companhia de Guido Salvini e passar para a de Za-Bum, dirigida por Mario Mattoli, conseguindo a sua afirmação definitiva com “Le Lucciole delta Citta” (Falconi e Biancoli).
Em 1933 forma a sua própria companhia, a Sergio Tofano-Giuditta Rissone-Vittorio De Sica, que em 1935 se transforma na De Sica-Rissone-Melnatti, com um repertório de obras de tipo cómico-sentimental, em estilo de revista e musical, que, graças à boa actuação dos actores e à enorme popularidade que De Sica estava a ganhar no cinema, consegue a aceitação de todos os públicos, Em 1940, forma de novo a companhia De Sica-Rissone-Tofano (onde interpreta Goetz, Betti, PirandelIo, etc.), que se dissolve em 1942, criando De Sica diversos papéis que lhe garantem sucesso pessoal até 1945, para constituir a sua última companhia, em 1946, a De Sica-Nini Besozzi-Vivi Gioi (com um reportório onde avultam Beaumarchais, Crommelynck, Saroyan, etc.). Em 1957, representa no Festival de Veneza “L'Impresario delle Smirne”, de Goldoni, e, em 1949, “Lettere d'amore”, de Gherardi, que é a sua última aparição no teatro.
A partir daí, consagra-se exclusivamente ao cinema, como actor e realizador, actividade que iniciara em 1940 com “Rosas de Sangue” e a que, desde então, passou a dedicar grande atenção. Os seus primeiros filmes, como realizador, não suscitam grande entusiasmo crítico, são sobretudo comédias teatrais onde vai experimentando a técnica e ganhando endurance. Actor de enorme vitalidade e simpatia, um sedutor inato, bem à maneira italiana, napolitano na exuberância, a sua extensíssima filmografia como actor, mas a de realizador em particular, fazem dele um marco na história do cinema italiano, sendo um dos criadores do neo-realismo, de colaboração com o seu amigo de sempre Cesare Zavattini, do “verismo”, depois de ter passado pela onda das comédias de “telefone branco”, deixando sempre uma marca do seu inconfundível talento, sensibilidade, generosidade e personalidade.
Com “I Bambini ci Guardano” (1944) inicia uma obra pessoal, que se afirma internacionalmente, dois anos depois, com “Sciuscià”, um tremendo falhanço em Itália, um sucesso estrondoso no estrangeiro, particularmente nos EUA, onde ganha um Oscar. Com “Ladri di Biciclette” (Ladrões de Bicicletas) é o reconhecimento. Comparam-no a Chaplin, e a sua áurea mantem-se com
Miracolo a Milano (O Milagre de Milão, 1951), Umberto D. (Umberto D., 1952), “Stazione Termini” (Estação Terminus, 1953), “L'Oro di Napoli” (O Ouro de Nápoles, 1954), “Il Tetto” (O Tecto, 1956) ou “La Ciociara” (As Duas Mulheres, 1961). Passa depois por um período de certo apagamento, regressando á ribalta com comédias de grande êxito, em meados da década de 60
“Ieri, Oggi e Domani” (Ontem, Hoje e Amanhã), “Matrimonio all'Italiana” (Matrimónio à Italiana) ou “Un Monde Nouveau” (Um Mundo Novo). A sua carreira estabiliza, sem o prestígio de outrora, mas com muita dignidade, com “Caccia alla Volpe” (A Raposa Dourada), “Sette Volte Donna” (Sete Vezes Mulher), “Le Streghe” (A Magia da Mulher), episódio “Una Sera come le Altre”, “Amanti” (Um Lugar para Amar), “I Girasoli” (O Último Adeus), até voltar ao Oscars com o excelente “Il Giardino dei Finzi-Contini” (O Jardim em que Vivemos, 1970). As últimas realizações não acrescem nada ao seu prestígio: “Lo Chiameremo Andrea” (O Filtro do Amor), “Una Breve Vacanza” (Pausa Breve) ou “Il Viaggio” (A Viagem, 1974).
Na televisão, interpreta “Quatro Homens Justos” (The Four Just Men, 1959), rodada em Inglaterra. Dirige igualmente uma série sobre os maiores tenores líricos.
É vasta a galeria de prémios ganha por Vittorio De Sica, onde se destacam quatro Oscars e diversas nomeações. Em 1947, Oscar Honorário para “Sciuscià”. Em 1949, Oscar de Melhor Filme em Língua não Inglesa, para “Ladrões de Bicicletas”; o mesmo Oscar em 1965, para “Ontem, Hoje e Amanhã”, e em 1972 para “O Jardim em que Vivemos”. Como intérprete, ganhou o Oscar de Melhor Actor Secundário, pela composição de major Rinaldi, no filme de 1957, de Charles Vidor, “A Farewell to Arms”; Recebe o BAFTA (British Academy Award) de 1950 para Melhor Filme, com “Ladrões de Bicicletas”; Vittorio De Sica arrecada o Interfilm Grand Prix, em 1971, no Festival de Berlim; “Milagre de Milão” ganha a Palma de Ouro do Festival de Cannes; “Umberto D.”, “Stazione Termini”, “La Ciociara” ou “L'Oro di Napoli” foram seleccionados para o mesmo Festival, onde “Il Tetto” ganha o Prémio OCIC; Nastro d'Argento para melhor realizador em 1946 por “Sciuscià”; Nastro d'Argento para a melhor película, realizador, argumento, fotografia e música do cinema italiano de 1948-1949 por “Ladrões de Bicicletas”; Nastro d'Argento para o melhor actor italiano de 1948 por “Cuore”; “Il Giardino dei Finzi-Contini” ganha o Urso de Ouro do Festival de Berlim, em 1970.
Conta-se que, durante a rodagem de “La Porta del Cielo” (A Porta do Céu, 1945), Vittorio de Sica empregou com figurantes, mais de 300 judeus e outras pessoas ameaçadas pelos nazis. Para evitar a sua captura e envio para campos de extermínio, e perante o avanço das tropas aliadas, prolongou as filmagens o mais que pode até à chegada dos Aliados, em Junho de 1944.  
Era bem conhecida, e nunca escondida, a sua paixão pelo jogo, onde perdia fortunas, pelo que por vezes trabalhava em projectos meramente comerciais para assegurar verbas para o seu vício e os seus filmes de autor. Nalguns filmes, a sua personagem projectava esse seu prazer pelo jogo (veja-se “O Conde Max” ou “O Ouro de Nápoles”).
Casado em 1937 com Giuditta Rissone, de quem teve uma filha, Emi, conhece em 1942, durante a rodagem de “Un Garibaldino al Convento”, a actriz catalã Maria Mercader (irmã de Ramon Mercader, o assassino de Trotsky), com quem passa a ter uma relação que terminará num casamento que se estende até à sua morte. Mas este casamento foi acidentado: casa com ela em 1959, no México, mas a união é considerada ilegítima em Itália, apesar de se ter divorciado de Rissone em 1954. Em 1968, obtém a nacionalidade francesa e casa, em Paris, novamente com Mercader, de quem já tinha dois filhos, Manuel, nascido em 1949, músico, e Christian, nascido em 1951, actor e realizador. Apesar de divorciado, mantinha uma vida dupla, com duas famílias. Celebrava duplamente o Natal e o Ano Novo. Para o conseguir, atrasava duas horas o relógio em casa de Mercader, e assim brindava numa e noutra casa.



FILMOGRAFIA
Como realizador:
1940: Rose Scarlatte (Rosas de Sangue); Maddalena, Zero in Condotta; 1941: Teresa Venerdì; 1942: Un Garibaldino al Convento; 1944: I Bambini ci Guardano; 1945: La Porta del Cielo (A Porta do Céu); 1946: Sciuscià; 1948: Cuore; Ladri di Biciclette (Ladrões de Bicicletas); 1951: Miracolo a Milano (O Milagre de Milão); 1952: Umberto D. (Umberto D.); 1953: Villa Borghese; Stazione Termini (Estação Terminus); 1954: L'Oro di Napoli (O Ouro de Nápoles); 1956: Il Tetto (O Tecto); 1958: Anna di Brooklyn; 1961: La Ciociara (As Duas Mulheres); Il Giudizio Universale (O Último Julgamento); 1962: I Sequestrati di Altona (Os Sequestrados de Altona); Boccaccio '70 (Boccaccio '70), episódio “La Riffa”; 1963: Il Boom (Negócio à Italiana); Ieri, Oggi e Domani (Ontem, Hoje e Amanhã); 1964: Matrimonio all'Italiana (Matrimónio à Italiana); 1966: Un Monde Nouveau (Um Mundo Novo); Caccia alla Volpe (A Raposa Dourada); 1967: Sette Volte Donna (Sete Vezes Mulher); Le Streghe ou The Witches (A Magia da Mulher), episódio “Una Sera come le Altre”; 1968: Amanti (Um Lugar para Amar); 1970: I Girasoli (O Último Adeus); Il Giardino dei Finzi-Contini (O Jardim em que Vivemos); Le Coppie, episódio Il Leone; 1971: Dal referendum alla costituzione: Il 2 giugno (Documentário); I Cavalieri di Malta (Documentário); 1972: Lo Chiameremo Andrea (O Filtro do Amor); 1973: Una Breve Vacanza (Pausa Breve); 1974: Il Viaggio (A Viagem).




FILMOGRAFIA
Como actor:
1917: Il Processo Clemenceau, de Alfredo De Antoni; 1927: La Bellezza del Mondo, de Mario Almirante; 1928: La Compagnia dei Matti (O Clube dos Loucos), de Mario Almirante; 1932: Due Cuori Felici, de Baldassarre Negroni; Gli Uomini, che Mascalzoni!, de Mario Camerini; La Vecchia Signora, de Amleto Palermi; 1933: La Segretaria per Tutti, de Amleto Palermi; Un Cattivo Soggetto, de Carlo Ludovico Bragaglia; Paprika (Paprika, uma Rapariga dos Diabos), de Carl Boese; La Canzone del Sole, de Max Neufeld ; 1934: Lisetta, de Carl Boese; Il Signore Desidera?, de Gennaro Righelli; Tempo Massimo, de Mario Mattoli; 1935: Amo te sola, de Mario Mattoli; Darò un Milione, de Mario Camerini; 1936: Non ti Conosco Più, de Nunzio Malasomma; Ma non è una Cosa Seria, de Mario Camerini; Lohengrin, de Nunzio Malasomma; L'Uomo che Sorride, de Mario Mattoli; 1937: Questi Ragazzi, de Mario Mattoli; Il signor Max, de Mario Camerini; 1937: Napoli d'altri tempi, de Amleto Palermi ; 1938: La mazurka di papà, de Oreste Biancoli ; Partire, de Amleto Palermi ; Il Trionfo dell'amore, de Mario Mattoli ; Hanno Rapito un Uomo, de Gennaro Righelli ; L'Orologio a Cucù, de Camillo Mastrocinque ; Le Due Madri, de Amleto Palermi; 1939: Castelli in Aria, de Augusto Genina; Ai Vostri Ordini, Signora!, de Mario Mattoli; Grandi Magazzini, de Mario Camerini; Finisce sempre Così, de Enrique Telémaco Susini; Rose Scarlatte (Rosas de Sangue), de Giuseppe Amato e Vittorio De Sica; 1940: Manon Lescaut (Manon Lescaut), de Carmine Gallone; Pazza di Gioia, de Carlo Ludovico Bragaglia; Maddalena... Zero in Condotta, de Vittorio De Sica; La Peccatrice, de Amleto Palermi; 1941: L'Avventuriera del Piano di Sopra, de Raffaello Matarazzo; Teresa Venerdì (Uma Rapariga às Direitas), de Vittorio De Sica; 1942: Un Garibaldino al Convento, de Vittorio De Sica; 1942: La Guardia del Corpo, de Carlo Ludovico Bragaglia; Se io Fossi Onesto (Minha Mulher é um Anjo), de Carlo Ludovico Bragaglia; 1943: I Nostri Sogni, de Vittorio Cottafavi; Nessuno torna Indietro, de Alessandro Blasetti; L'Ippocampo, de Gian Paolo Rosmino; Non Sono Superstizioso... ma!, de Carlo Ludovico Bragaglia; 1945: Lo Sbaglio di Essere Vivo, de Carlo Ludovico Bragaglia; 1946: Il Mondo Vuole Così, de Giorgio Bianchi; Roma Città Libera, de Marcello Pagliero; 1946: Abbasso la Ricchezza!, de Gennaro Righelli ; 1947: Lo Sconosciuto di San Marino, de Michal Waszynski e Vittorio Cottafavi; Cuore, de Duilio Coletti; Natale al Campo 119, regia di Pietro Francisci; Sperduti nel Buio (Perdidos na Escuridão), de Camillo Mastrocinque; 1949: Domani è Troppo Tardi (Amanhã Será Tarde), de Léonide Moguy; 1951: Buongiorno, Elefante! (Bom Dia, Elefante), de Gianni Franciolini; Cameriera Bella Presenza Offresi... (Criada, Oferece-se…), de Giorgio Pàstina; 1952: Il Processo di Frine, episódio de Altri tempi (Outros Tempos), de Alessandro Blasetti; 1953: L'Orso, episódio de “Il Matrimonio” (O Matrimónio), de Antonio Petrucci; Incidente a Villa Borghese (Incidente a Villa Borghese), episódio de “Villa Borghese” (Villa Borghese), de Gianni Franciolini; Il Fine Dicitore, episódio de “Gran Varietà” (No Palco da Vida), de Domenico Paolella Pendolin, episódio de “Cento Anni d'Amore” (Cem Anos de Amor), de Lionello De Felice; Madame de... (Madame De…), de Max Ophüls; Pane, Amore e Fantasia (Pão, Amor e Fantasia), de Luigi Comencini; 1954: Peccato che sia una Canaglia (Que Pena Seres Vigarista), de Alessandro Blasetti; Pane, Amore e Gelosia (Pão, Amor e Ciúme), de Luigi Comencini; Il Divorzio (O Divórcio), episódio de Il letto (Segredos de Alcova), de Gianni Franciolini; Allegro Squadrone (A Alegria no Batalhão), de Paolo Moffa; Vergine Moderna (Uma Rapariga Moderna), de Marcello Pagliero; Scena all'Aperto e Don Corradino, episódio de “Tempi nostri” (Os Nossos Tempos), de Alessandro Blasetti; I Giocatori, episódio de “L'Oro di Napoli” (O Ouro de Nápoles), de Vittorio De Sica; 1955: La Bella Mugnaia (A Bela Moleira), de Mario Camerini; Gli Ultimi Cinque Minuti (Os Últimos Cinco Minutos), de Giuseppe Amato; Il Segno di Venere (Sob o Signo de Vénus), de Dino Risi; Pane, Amore e... (Pão, Amor e…), de Dino Risi; Racconti Romani (Contos Romanos), de Gianni Franciolini; Il Bígamo (Agarra-me esse Homem), de Luciano Emmer; 1955: I Giorni più Belli, de Mario Mattoli; 1956: Mio Figlio Nerone (Os Fins-de-semana de Nero), de Steno; I Colpevoli, de Turi Vasile; Souvenir d'Italie (Aconteceu em Itália), de Antonio Pietrangeli; Noi Siamo le Colonne (Finalistas em Apuros), de Luigi Filippo D'Amico; 1956: Padri e Figli (País e Filhos), de Mario Monicelli; Tempo di Villeggiatura (Tempo de Férias), de Antonio Racioppi; Montecarlo (A História de Monte Carlo), de Samuel Taylor e Giulio Macchi; La Fortuna di Essere Donna (A Sorte de Ser Mulher), de Alessandro Blasetti (não creditado); 1957: Casinò de Paris (Casino de Paris), de André Hunebelle; Pane, Amore e Andalusia (Pão, Amor e Andaluzia), de Javier Setó; Il Conte Max (O Conde Max), de Giorgio Bianchi; La Donna che Venne dal Mare (A Mulher Nascida do Mar), de Francesco De Robertis; Il Medico e lo Stregone (O Médico e o Charlatão), de Mario Monicelli; 1957: Vacanze a Ischia (Férias em Ischia), de Mario Camerini; Totò, Vittorio e la Dottoressa (Totó, Vittorio e a Médica), de Camillo Mastrocinque;A Farewell to Arms (Adeus às Armas), de Charles Vidor; Amore e Chiacchiere (Amor e… Conversa), de Alessandro Blasetti; 1958: Ballerina e Buon Dio (A Bailarina e o Bom Deus), de Antonio Leonviola; Gli Zitelloni (Os Solteirões), de Giorgio Bianchi; Kanone Serenade! ou Pezzo, Capopezzo e Capitano (A Serenata dos Canhões), de Wolfgang Staudte; Anna di Brooklyn (Ana de Brooklyn), de Reginald Denham e Carlo Lastricati; Domenica è Sempre Domenica, de Camillo Mastrocinque; Uomini e Nobiluomini (Fidalgos e Plebeus), de Giorgio Bianchi; La Ragazza di Piazza San Pietro (A Rapariga da Praça de São Pedro), de Piero Costa; Nel Blu Dipinto di Blu, de Piero Tellini; Policarpo, Ufficiale di Scrittura, de Mario Soldati; La Prima Notte (Amor e Vigarice), de Alberto Cavalcanti; 1959: Ferdinando I, Re di Napoli (Fernando I, Rei de Nápoles), de Gianni Franciolini; Gastone, de Mario Bonnard; Il Generale della Rovere (O General Della Rovere), de Roberto Rossellini; Il Mondo dei Miracoli (O Mundo dos Milagres), de Luigi Capuano; Il Moralista (O Moralista), de Giorgio Bianchi; Il Nemico di Mia Moglie (O Inimigo da Minha Mulher), de Gianni Puccini; Vacanze d'Inverno (Férias de Inverno), de Camillo Mastrocinque; 1960: Austerlitz (Austerlitz), de Abel Gance; La Sposa Bella (O Anjo Vermelho), de Nunnally Johnson e Mario Russo; Le Tre Eccetera del Colonnello (Os 3 Etc. do Coronel), de Claude Boissol; Le Pillole di Ercole (Hércules), de Luciano Salce; Un Amore a Roma, de Dino Risi; Il Vigile (O Herói da Cidade), de Luigi Zampa; La Baia di Napoli (Começou em Nápoles), de Melville Shavelson; 1960: La Miliardária (A Milionária), de Anthony Asquith; 1961: Gli Attendenti, de Giorgio Bianchi; L'Onorata Società, de Riccardo Pazzaglia; 1961: Le Meraviglie di Aladino (Lâmpada de Aladino), de Mario Bava e Henry Levin; I Celebri Amori di Enrico IV, de Claude Autant-Lara ; La Fayette, una Spada per Due Bandiere (La Fayette), de Jean Dréville ; I Due Marescialli (Os Dois Carabineiros), de Sergio Corbucci; Gli Incensurati, de Francesco Giaculli; Il Giudizio Universale (O Último Julgamento), de Vittorio De Sica; 1962: Eva (Eva), de Joseph Losey; 1965: Caccia Alla Volpe (A Raposa Dourada), de Vittorio De Sica; Le Avventure e Gli Amori di Moll Flanders (A Vida Amorosa de Moll Flanders), de Terence Young; 1966: Io, Io, Io... e Gli Altri (Eu, Eu, Eu e… os Outros), de Alessandro Blasetti; Gli Altri, Gli Altri e Noi, de Maurizio Arena; 1967: Un Italiano in America (A América dos Meus Sonhos), de Alberto Sordi; 1968: Colpo Grosso alla Napolitana (A Maior Bolada do Mundo), de Ken Annakin; The Shoes of the Fisherman (As Sandálias do Pescador), de Michael Anderson; Caroline Chérie, de Denys de la Patellière ; L'Uomo Venuto dal Kremlino, de Michael Anderson; 1969: If It's Tuesday, This Must Be Belgium, de Mel Stuart; Una su 13 (Doze Mais Uma), de Nicholas Gessner e Luciano Lucignani; 1970: Cose di Cosa Nostra, de Steno; 1971: Trastevere, de Fausto Tozzi; Io non Vedo, tu non Parli, lui non Sente (Eu Não Vejo, Tu Não Falas, Ele Não Ouve), de Mario Camerini; 1972: L'Odore Delle Belve (Caçador de Escândalos), de Richard Balducci; 1972: Siamo tutti in Libertà Provvisoria, de Manlio Scarpelli; Grande Slalom per una Rapina, de George Englund; Le Avventure di Pinocchio, de Luigi Comencini; Ettore lo Fusto, de Enzo G. Castellari; 1973: Piccoli Firacoli, de Jeannot Szwarc (TV); Storia de Fratelli e de Cortelli, de Mario Amendola; Il Delitto Matteotti, de Florestano Vancini; Viaggia, Ragazza, Viaggia, hai la Musica nelle Vene, de Pasquale Squitieri; 1974: Dracula cerca Sangue di Vergine... e Morì di Sete!!! ou Blood for Dracula (Sangue Virgem  para Drácula), de Paul Morrissey e Antonio Margheriti; C'Eravamo Tanto Amati (Tão Amigos que Nós Eramos), de Ettore Scola; Intorno, de Manuel De Sica (curta-metragem); L'Eroe, de Manuel De Sica (TV).


ETTORE SCOLA (1931-2016)

Ettore Scola foi um dos grandes mestres do cinema italiano. O realizador de "Feios, Porcos e Maus" tinha 84 anos, quando faleceu, em Roma, no dia 19 de Janeiro de 2016. Nascera em Trevico, a 10 de Maio de 1931. Estudou Direito, passou pelo jornalismo e pela rádio, mas a sua vida acabaria por ter uma outra orientação. O cinema. Em 1953, com 22 anos, começa a trabalhar como argumentista, muitas vezes em parceria com Ruggero Maccari, assinando mais de oito dezenas de argumentos para vários realizadores, como Dino Risi ou Alberto Sordi (citem-se “A Ultrapassagem”, “La Marcia su Roma”, “Os Monstros”, “Um Italiano em Angola”, entre tantos outros). Só se estrearia na longa-metragem como autor completo em 1964, com "Se Permettete parliamo di Donne", uma comédia curiosa, mas não mais.  Doze anos depois conheceu o sucesso, com "Tão Amigos que Nós Éramos", a que se segue, dois anos depois, "Feios, Porcos e Maus", prémio de Melhor Realizador no Festival de Cannes. Depois foi a vez de assinar alguns dos filmes italianos mais interessantes dos anos 70, como "Um Dia Inesquecível", vencedor de um Globo de Ouro para Melhor Filme e nomeado para o Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Seguem-se, em 1980, “O Terraço”; em 1982, “A Noite de Varennes”; em 1983, “O Baile”; em 1984, um documentário, “L'addio a Enrico Berlinguer”, onde ficava expressa a sua simpatia para com o Partido Comunista Italiano; em 1987, “A Família” e em 1988, “Splendor”. O seu último trabalho, em 2013, chamava-se “Que Estranho Chamar-se Fellini”. O trabalho de Scola centrou-se sobretudo no campo da comédia, mas abarcando diversos cambiantes, desde a comédia dramática à sátira mais estridente, renovando sempre conceitos e abrindo para novas perspectivas, tendo sempre como pano de fundo a realidade italiana, desde os tempos da guerra e do fascismo mussoliniano até à (sua) actualidade. Conta com mais de meia centena de prémios internacionais, entre Globos de Ouro, Césars, David di Donatello, Festivais de Cannes, Berlim, Veneza, Moscovo, Prémios do Cinema Europeu, etc. Morreu em Roma, em 19 de Janeiro de 2016, após alguns dias em coma, no Hospital Policlínico.

Filmografia / como realizador: 1964: Se permettete parliamo di donne; 1965: La congiuntura (Tempos Difíceis); Thrilling (episódio "Il Vittimistal"); 1966: L'arcidiavolo (O Diabo Encarnado); 1968: Riusciranno i nostri eroi a ritrovare l'amico misteriosamente scomparso in Africa? (Um Italiano em Angola); 1969: Il commisario Pepe (O Comissário Pepe); 1970: Dramma della gelosia (Ciúme, Ciúmes e Ciumentos); 1971: Permette? Rocco Papaleo (Um Italiano em Nova-Iorque); 1972: Festival dell'Unità 1972 (documentário); La più bella serata della mia vita; 1973: Festival Unità (documentário); 1973: Trevico-Torino: Viaggio nel Fiat-Nam; 1974: C'eravamo tanto amati (Tão Amigos que Nós Éramos); 1975: Carosello per la campagna referendaria sul divorzio (documentário); 1976: Brutti, sporchi e cattivi (Feios, Porcos e Maus); 1976: Signore e signori, buonanotte; 1977: I nuovi monstri (Os Novos Monstros) (episódios "L'uccellino della Val Padana", "Il sospetto", "Hostaria", "Come una regina", "Cittadino esemplare", "Sequestro di persona cara", "Elogio funebre"); Una giornata particolare (Um Dia Inesquecível); 1980: La terrazza (O Terraço); 1981: Passione d'amore (Fosca, Paixão de Amor); 1982: La nuit de Varennes (A Noite de Varennes); 1982: Vorrei che volo (documentário); 1983: Le bal (O Baile); 1984: L'addio a Enrico Berlinguer (documentário); 1985: Maccheroni; 1987: Imago Urbis (documentário); 1987: La famiglia (A Família); 1988: Splendor (Esplendor); 1989: Che ora é?; 1991: Il viaggio di Captan Fracassa; 1993: Mario, Maria e Mario (Mario, Maria e Mario); 1995: Romanzo di un giovane povero; 1997: I corti italiani (episódio "1943-1997"); 1998: La cena; 2001: Concorrenza sleale (documentário); 2001: Un altro mondo è possibile (documentário); 2002: Lettere dalla Pallestina (documentário); 2003: Gente di Roma (documentário); 2013: Che strano chiamarsi Federico (Que Estranho Chamar-se Federico).


PIETRO GERMI (1914 – 1974)

É vulgar achar-se e aceitar-se como justa a ideia de que o neorrealismo criou cinco grandes cineastas à escala planetária: De Sica, Rossellini, Fellini, Visconti e Antonioni. É usual acrescentar a esta lista uma outra com realizadores com obra muito interessante, que se coloca numa segunda linha dessa geração inicial lançada pelo neorrealismo. Estão neste caso, entre outros, nomes como Alberto Lattuada, Dino Risi, Pietro Germi, Giuseppe De Santis, Cesare Zavattini, Renato Castellani, Carlo Lizzani ou Mario Monicelli. Creio que uns se encontram bem enquadrados nesta classificação, enquanto que outros merecem muito mais do que esse segundo plano honroso. Merecem uma reavaliação global da sua obra, longe de alguns preconceitos que os tolheram numa primeira análise, muito sobrecarregada por motivações políticas ou de género (como, por exemplo, ter-se como subalterna uma apreciação da comédia, em relação aos filmes ditos “sérios” – que às vezes dão mais vontade de rir do que as próprias comédias, e pelas piores razões). Dino Risi e Pietro Germi são dois nomes que merecem muito mais do que serem considerados “bons realizadores” ou “autores com obras interessantes”. Ambos me parecem autores na verdadeira acepção da palavra, e ambos se me afiguram grandes cineastas, com uma obra coerente, consistente e de indiscutível qualidade e importância. 
Pietro Germi nasceu em Genova a 14 de Setembro de 1914, e viria a falecer muito novo, com 60 anos, em Roma, a 5 de Dezembro de 1974, tendo-se notabilizado como realizador, argumentista, produtor e actor. Em todas estas actividades se distinguiu, como realizador ganhou diversos prestigiantes prémios internacionais (Cannes, várias vezes, Veneza, Berlim, Moscovo, Mar del Plata, San Sebastian), tendo sido nomeado para muitos mais, e como argumentista chegou mesmo ao Oscar e ao Globo de Ouro, no primeiro caso com “Divorzio all'Italiana” (1961), no mesmo ano em que foi nomeado como Melhor Realizador e, no segundo caso, por três vezes, com “Un Maledetto Imbróglio” (1959), “Divorzio all'Italiana” (1961) e “Signore & signori” (1966).
O seu cinema começou por estar profundamente empenhado em causas sociais, mesmo quando as tratava em tom de comédia, como foi o caso de “La Presidentessa”. Mas foram normalmente temas sociais graves, abordados de forma vigorosa que estão na base de alguns dos grandes filmes deste cineasta pertencentes a uma primeira fase do movimento neorrealista. Falamos de “A Testemunha” (1946), sua primeira longa-metragem, passando por “Gioventù Perduta”, “Em Nome da Lei”, “O Caminho da Esperança”, “A Cidade Defende-se”, “O Bandido da Cova do Lobo”, “O Ferroviário”, “O Homem de Palha” ou “A 3 ª Chave” (este último de 1959). Depois, o seu cinema, mantendo o tom de critica social que nunca abandonou, aproxima-se da comédia com “Divórcio à Italiana” (1961), “Seduzida e Abandonada”, “Senhoras e Cavalheiros”, “O Imoral”, “Serafino”, até “Alfredo, Alfredo” (1972), seu derradeiro trabalho neste campo. Pietro Germi teve o condão de ser um autor que tomou posição sobre problemas do mundo do trabalho, da justiça, da emigração, dos universos industrial e rural, mantendo quase sempre um bom contacto com o grande público. Os seus filmes denotam uma sensibilidade natural para, sem pactuar com a vulgaridade e o fácil, chegarem ao espectador através da razão e da emoção.
Filho de Giovanni Germi, porteiro, e de Armellina Castiglioni, dona de casa, Pietro Germi perde o pai muito cedo, e fica com a mãe e três irmãs, Carolina, Gilda e Enrichetta, enquanto frequenta o Instituto Nautico San Giorgio, cujo curso acaba por não terminar. Muda-se para Roma e aí inscreve-se no Centro Sperimentale di Cinematografia. Itália vive já sob o jugo do fascismo mussoliniano, e esse centro reúne um conjunto de jovens que mais trde serão a base do neorrealismo. Em 1941 casa com Genova Anna Bancio e seis anos depois nasce em Génova a filha Marialinda. Divorciado, volta a casar com Olga D'Ajello, de quem terá mais três filhos, Francesco, Francesca e Armellina. Morre em Roma, a 5 de Dezembro de 1974, repousando os restos mortais no cemitério Castel di Guido, perto de Roma.
A sua carreira no cinema começa como actor, em 1939, quando conta 25 anos, no filme “Retroscena”, onde desempenha ainda o lugar de co-argumentista. Prossegue a carreira de actor e, no Centro Sperimentale di Cinematografia, segue o curso de realização ministrado pelo cineasta Alessandro Blasetti. Em 1945 estreia-se na realização com “Il Testimone”, a que se seguem “Gioventù perduta” (1947), um policial com nítida inspiração norte-americana (o filme negro influencia então muito do cinema europeu, nomeadamente o italiano, veja-se, por exemplo, o caso de “Obsessão”, de Visconti) e “In Nome della Legge” (1949), um dos primeiros filmes a abordar o tema da Mafia siciliana e dos barões que dominam o território. Êxito de bilheteira, ganha o Nastri d'Argento e impõe internamente o nome de Germi. Mas será com o drama neorrealista sobre a emigração siciliana, “Il Cammino della Speranza” (1950), que o cineasta atinge a consagração internacional. Passa pelo Festival de Cannes com sucesso e em Berlim ganha o Urso de Ouro. “La Città si Difende” (1951) é considerado o melhor filme italiano do ano no Festival de Veneza, regressando a uma atmosfera de “filme negro”.
Segue-se uma época de relativo apagamento, primeiro com uma divertida comedia de boulevard, com forte crítica social, “La Presidentessa” (1952), adaptando ao cinema uma peça teatral de Maurice Hennequin e Pierre Veber, um "western sulista", como é considerado “Il Brigante di Tacca del Lupo”, retirado de um romance homónimo de Riccardo Bacchelli, e, já em 1953, “Gelosia”, nova adaptação de um romance, este de Luigi Capuana, “Il Marchese di Roccaverdina”.
Após dois anos de pausa, regressa em 1955, com outro grande sucesso que se integra bem na corrente neo-realista, “Il Ferroviere”, a q eu se segue “L'uomo di paglia” (1958), novo marco muito positivo na sua carreira. “Un maledetto imbróglio”, de 1959, retirado de um romance de Carlo Emilio Gadda, “Quer Pasticciaccio Brutto de Via Merulana”, afirma-se como um dos primeiros e mais logrados exemplos de filme policial italiano. Ambientado em 1927, durante os anos da ascensão do fascismo em Itália, um comissário de policia (interpretado pelo próprio Pietro Germi), investiga um roubo de joias num edifício, onde pouco depois se descobre igualmente um assassinato. Os ambientes sociais são muito bem transmitidos e o suspense mantido.
Sem abandonar a crítica social, sem se afastar de um cinema de uma certa austeridade estilística, Pietro Germi entra na década de 60 com uma comédia que se tornaria um dos grandes títulos da chamada “commedia all'italiana”, “Divorzio all'italiana” (1961), com desempenhos magníficos de Marcello Mastroianni e da muito jovem e belíssima e Stefania Sandrelli. Internacionalmente, o êxito e total com nomeações para vários Oscars, Melhor Realização, Melhor Argumento Original (Ennio De Concini e Alfredo Giannetti) e Melhor Actor (Mastroianni). Depois, mantendo o tom de comédia de costumes, regressa à Sicília para “Sedotta e Abbandonata” (1964), outra obra de cariz crítico, insistindo no género com resultados magníficos em “Signore & Signori”, que vence em Cannes. Até final de vida não abandona a comédia: “L'Immorale” (1967), “Serafino” (1968) e “Alfredo Alfredo” (1972), com Dustin Hoffman e Stefania Sandrelli, encerram a sua obra.
Uma das razões porque Pietro Germi não terá sido elevado à categoria de mestre, na galeria dos maiores italianos, prende-se seguramente como facto de politicamente ser simpatizante não do partido comunista, mas da esquerda moderada, dita social-democrata. Entre os anos 40 e os anos 70, precisamente durante a época que o cineasta desenvolveu o seu trabalho, a crítica cinematográfica italiana, de Aristarco a Barbaro, de Verdone a Chiarini, de Giammatteo a Rondi, passando por alguns mais, dominou o panorama italiano, em revistas como “Cinema” e “Cinema Nuovo”, Filmcritica”, “Rivista del Cinematografo”, “Rezegna del Film”, entre outras. Quando se diz que dominou quer dizer-se que impos um código e regras que, não sendo cumpridas, tornariam os seus criadores personas non gratas.

PIETRO GERMI
FILMOGRAFIA
Como realizador: 1946: A Testemunha (Il Testimone); 1947: Gioventù Perduta; 1949: Em Nome da Lei (In Nome della Legge); 1950: O Caminho da Esperança (Il Cammino della Speranza); 1951: O Bandido da Cova do Lobo (Il Brigante di Tacca del Lupo); 1951: A Cidade Defende-se (La Città si Difende); 1952: La Presidentessa; 1953: Amori di Mezzo Secolo (episódio Guerra 1915-18); 1953: Ciúmes (Gelosia); 1956: O Ferroviário (Il Ferroviere); 1958: O Homem de Palha (L'Uomo di Paglia); 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio); 1961: Divórcio à Italiana (Divorzio all'Italiana); 1964: Seduzida e Abandonada (Sedotta e Abbandonata); 1966: Senhoras e Senhores (Signore e Signori); 1966: O Imoral (L'Immorale); 1968: Serafino (Serafino); 1970: Le Castagne sono Buone; 1972: Alfredo, Alfredo (Alfredo, Alfredo)

Como argumentista (os títulos sem indicação de realizador, são da autoria de Pietro Germi): 1939: Retroscena, de Alessandro Blasetti; 1941: L'Amore Canta, de Ferdinando Maria Poggioli; 1943: O Filho do Corsário Vermelho (Il figlio del corsaro rosso), de Marco Elter; 1943: Gli Ultimi Filibustieri, de Marco Elter; 1945: I Dieci Comandamenti, de Giorgio Walter Chili; 1946: A Testemunha (Il Testimone); 1947: Gioventù Perduta; 1949: Em Nome da Lei (In Nome della Legge); 1950: Contro la legge, de Flavio Calzavara; 1950: O Caminho da Esperança (Il Cammino della Speranza); 1951: O Bandido da Cova do Lobo (Il Brigante di Tacca del Lupo); 1951: A Cidade Defende-se (La Città si Difende); 1953: Ciúmes (Gelosia)1953: Black 13, de Ken Hughes; 1956: O Ferroviário (Il Ferroviere); 1958: O Homem de Palha (L'Uomo di Paglia); 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio); 1961: Divórcio à Italiana (Divorzio all'Italiana); 1964: Seduzida e Abandonada (Sedotta e Abbandonata); 1966: Senhoras e Senhores (Signore e Signori); 1966: O Imoral (L'Immorale); 1968: Serafino (Serafino); 1970: Le Castagne sono Buone; 1972: Alfredo, Alfredo (Alfredo, Alfredo); 1975: Oh! Amigos Meus (Amici Miei), de Mario Monicelli.

Como actor: 1939: Quinto, não Matar (Il Fornaretto di Venezia), de Duilio Coletti; 1946: Montecassino, deArturo Gemmiti; 1948: Fuga in Francia, de Mario Soldati; 1956: O Ferroviário (Il Ferroviere), de Pietro Germi; 1958: O Homem de Palha (L'Uomo di Paglia), de Pietro Germi; 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio), de Pietro Germi; 1960: Jovanka e as Outras (5 Branded Women), de Martin Ritt; 1960: Lábios Pintados (Il Rossetto), de Damiano Damiani; 1961: Pago para Matar (Il Sicário), de Damiano Damiani; 1961: A Herança (La Viaccia), de Mauro Bolognini; 1965: E Venne un Uomo, de Ermanno Olmi

Como produtor: 1966: Senhoras e Cavalheiros; 1967: O Imoral; 1968: Serafino; 1970: I Giovedì della Signora Giulia (TV Mini-Series)

Principais recompensas:
Oscar: 1963: Oscar de Melhor Argumento Original, para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana); 1963: nomeação para Melhor Realizador para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana);
Festival de Cannes: 1962: Prémio da Melhor Comédia para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana);1966: Palma de Ouro, para “Senhoras e Senhores” (Signore e Signori); (ex-æquo com “Un Homme et une Femme”, de Claude Lelouch);
Festival de Berlim: 1951: Urso de Prata (categoria “drama”) para “O Caminho da Esperança” (Il Cammino della Speranza);
Festival de Veneza: 1951: Prémio de Melhor Filme Italiano para “A Cidade Defende-se” (La Città si Difende);
Festival de San Sebastian: 1956: Prémios de Melhor Filme e Melhor Realizador para “O Ferroviário” (Il Ferroviere);
Festival de Moscovo: 1969: Prémio de Ouro para “Serafino”;
David di Donatello: 1964: Melhor Realizador para “Seduzida e Abandonada” (Sedotta e Abbandonata); 1966: Melhor Realização e Melhor Produção para “Senhoras e Senhores” (Signore e Signori);
Nastri d'Argento (atribuídos pelo Sindacato Nazionale Giornalisti Cinematografici Italiani): 1946: Melhor Argumento: “A Testemunha (Il Testimone); 1949: Qualidades artísticas para “Em Nome da Lei” (In Nome della Legge); 1957: Melhor Realização para “O Ferroviário” (Il Ferroviere); 1959: Melhor Realização para “O Homem de Palha” (L'Uomo di Paglia); 1960: Melhor Argumento para “A 3 ª Chave” (Un Maledetto Imbroglio); 1962: Melhor Argumento para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana); 1965: Melhor Argumento para “Seduzida e Abandonada” (Sedotta e Abbandonata); 1967: Melhor Argumento para “Senhoras e Senhores” (Signore e Signori); 1976: Melhor Argumento para Oh! Amigos Meus (Amici Miei) (a título póstumo); 1976: Ruban d'Argent de Honra (a título póstumo). 



LUIGI COMENCINI (1916-2007)

Luigi Comencini, um dos nomes mais importantes da cinematografia italiana entre meados dos anos 40 e a década de 80 do século XX, nasceu a 8 de Junho de 1916, em Salò, província de Brescia, na Lombardia (Itália), e viria a morrer, aos 90 anos, a 6 de Abril de 2007 em Roma (Itália). No início dos anos 20, a família de emigrou para França, para a região de Lot-et-Garonne, instalando-se em Colayrac-Saint-Cirq. Luigi faz os seus estudos no liceu Bernard Palissy, em Agen, passa por Paris, após o que estuda arquitectura em Milão, onde funda com Alberto Lattuada e Mario Ferrari, a Cineteca Italiana, começando a recolher e preservar os primeiros filmes italianos (esta foi a primeira cinemateca de Itália).
O seu interesse pelo cinema é manifesto, faz critica cinematográfica, desde o fim da II Guerra Mundial, que aparece em publicações como “L'Avanti” e “Tempo”, exercitando-se igualmente na escrita de argumentos.
Em 1946, exercita-se na realização, com uma curta-metragem documental, “Bambini in città”, que ganharia o “Nastro d'argento”, em Itália. O universo das crianças será um dos temas dominantes na sua filmografia a partir desse momento (vejam-se “Proibito rubare”, “Incompreso”, “I bambini e noi”, “Le avventure di Pinocchio” ou “Eugénio, Eugénio”, entre outros).
Autor de um bom número de obras essenciais na cinematografia transalpina deste período, notabilizou-se particularmente nalguns grandes sucessos de público e critica, como “Pão, Amor e Fantasia”, “Pão, Amor e Ciúme”, “Tutti a casa”, “O Grande Engarrafamento”, “O Jogo da Fortuna e do Azar” ou “Meu Deus, ao Que Eu Cheguei”. Com “Pão, Amor e Fantasia”, dirigindo Vittorio De Sica e Gina Lollobrigida, ajudou a lançar a comédia à italiana, ganhando um estatuto de grande cineasta neste género, ao lado de nomes prestigiados como
Mario Monicelli e Dino Risi.
Casado com a aristocrática princesa Giulia Grifeo di Partanna, teve quatro filhos, os realizadores Cristina e Francesca, a argumentista Paola e a directora de produção Eleonora, todos com carreiras no cinema. Faleceu em consequência de complicações da doença de Parkinson.
Prémios: Urso de Prata no Festival de Berlin, 1954, para “Pão Amor e Fantasia”; David di Donatello, 1967, para melhor realizador por “Incompreso”; Ruban d'argent, 1947, para melhor documentário, por “Bambini in città” e 1982, para melhor argumento original por “Cercasi Gesù”; 43ª Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza, 1986: Prémio Pietro Bianchi; 44ª Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza, 1987: Leão de Ouro pelo conjunto da sua obra.

Filmografia:
Cinema e televisão
1937: La novelletta (documentário); 1946: Bambini in città (documentário); 1948: Proibito rubare (O Sétimo Mandamento); 1949: L'Imperatore di Capri (Totó, o Imperador de Roma); 1950: L'ospedale del delitto (documentário); Il museo dei sogni (documentário); 1951: Persiane Chiuse (Persianas corridas); 1952: La tratta delle bianche; Heidi;1953: La valigia dei sogni; Pane, amore e fantasia (Pão, Amor e Fantasia); 1954: Pane, amore e gelosia (Pão, Amor e Ciúme); 1955: La bella di Roma (A Bela de Roma); 1956: La finestra sul Luna Park; 1957: Mariti in città; 1958: Mogli pericolose (Mulheres Perigosas); 1959: Und das am Montagmorgen; Les surprises de l'amour (As Surpresas do Amor); 1960: Tutti a casa; 1961: A cavallo della tigre; 1962: Il commissario; 1963: La ragazza di Bube (A Rapariga de Bube); 1964: Tre notti d'amore (episódio Fatebenefratelli); La mia signora (A Minha Senhora) (segment Eritrea); 1965: Le bambole (Quatro Casos de Amor) (episódio Il trattato di eugenética); La bugiarda; Il compagno Don Camillo (Dom Camilo na Rússia); 1967: Incompreso (O Incompreendido); 1968: Italian Secret Service (Serviço Secreto Italiano); 1969: Infanzia, vocazione e prime esperienze di Giacomo Casanova, Veneziano (A Iniciação Sexual de Casanova); Senza sapere niente di lei (Moral Privada); 1970: I bambini e noi (série documental de TV)  1972: Lo scopone scientifico (O Jogo da Fortuna e do Azar); Le avventure di Pinocchio (mini-série de TV, 6 episódios); 1974: Delitto d'amore (Delito de Amor); Mio Dio, come sono caduta in basso! (Meu Deus, ao Que Eu Cheguei); 1975: Le avventure di Pinocchio), agora em salas de cinema; La donna della domenica (A Mulher de Domingo); 1976: Signore e signori, buonanotte; Basta che non si sappia in giro!… (Basta Que Não se Saiba) (episódio L'Equivoco); Quelle strane occasioni (A Ocasião Faz o Ladrão) (episódio L'ascensore); 1977: Il gatto (Aqui Há Gato); 1979: L'ingorgo - Una storia impossibile (O Grande Engarrafamento); 1980: Voltati Eugenio (Eugénio, Eugénio); 1982: Cercasi Gesu; 1983 Dieci registi italiani, dieci racconti italiani (mini-série de TV, episódio Il matrimonio di Caterina); 1984: Cuore (mini-série de TV, 6 episódios); 1987: La storia (A História, teléfilme); Un ragazzo di Calabria (O Rapaz da Calábria); 1988: Les Français vus par (mini-série de TV, episódio Pèlerinage à Agen; La Bohème; 1989: Buon Natale… buon anno); 1991: Marcellino, pane e vino (Marcellino).


MARIO MONICELLI (1915 – 2010)

Mario Monicelli foi um dos grandes mestres da comédia à italiana, um estilo de humor muito característico que surgiu em inícios dos anos 50, que na altura escandalizou os ortodoxos do neorrealismo, a que chamaram de “realismo rosa”, em tom depreciativo. Mas o tempo foi fazendo justiça e presentemente a comédia à italiana tem os seus pergaminhos e os seus grandes realizadores, desde Monicelli a Dino Risi (o maior de todos, um dos grandes do cinema italiano de sempre), passando por Germi, Lattuada, Comencini, Scola, e alguns mais (entre os quais se deve colocar Vittorio De Sica da sua fase Sophia Loren).
Monicelli começou a sua carreira como argumentista, assinou inúmeras comédias de Totó e, já no final dos anos 40, dirigiu “Totó Procura Casa”, continuando depois na década seguinte com obras como “Vida de Cão”, “Polícias e Ladrões”, “Totò e i re di Roma”, “Toto Entre as Mulheres”, “Totò e Carolina”, até atingir a plenitude com duas magníficas comédias, uma de 1958, “Gangsters Falhados”, outra de 1959, “A Grande Guerra”. A sua carreira continuou até inícios do novo século, com títulos muito interessantes, como “I Compagni”, “Casanova 70”, “O Capitão Brancaleone”, “A Rapariga da Pistola”, “Uma Aventura nas Cruzadas”, “Queremos os Coronéis”, “Romance Popular”, “Oh! Amigos Meus”, “O Pequeno Burguês” ou “Il Marchese del Grillo”.
Monicelli morreu a 29 de Novembro de 2010, com 95 anos, suicidando-se. Estava internado no Hospital San Giovanni em Roma, com um cancro na próstata, e atirou-se de uma janela do quinto andar para a rua. Tinha nascido em Viareggio, na Toscânia, a 16 de Maio de 1915, sendo filho do crítico teatral e jornalista Tommaso Monicelli. Estudou no Liceu Clássico Giosuè Carducci, formando-se em História e Filosofia. Entra no cinema graças ao amigo Giacomo Forzano, filho do comediógrafo Giovacchino Forzano, fundador de um estúdio cinematográfico, como nome de Pisorno. Interessa-se pelo cinema e, em 1934, ao lado de Alberto Mondadori, dirige o curta-metragem "Cuore rivelatore". Crítico cinematográfico desde 1932, entre 1939 e 1949 colaborou em cerca de quatro dezenas de filmes. Em 1948, de parceria com Steno, dirige "Totò cerca casa", a que se seguem vários outros títulos com Totó. Na sua fértil filmografia, dirigiu alguns dos maiores actores de Itália (e não só), como Totò, Aldo Fabrizi, Vittorio De Sica, Sophia Loren, Marcello Mastroianni, Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi, Anna Magnani, Alberto Sordi, Nino Manfredi, Paolo Villaggio, Enrico Maria Salerno, Monica Vitti, Enrico Montesano, Giancarlo Giannini, Philippe Noiret, Giuliano Gemma, Stefania Sandrelli, Gian Maria Volonté e Leonardo Pieraccioni. Monicelli notabilizou-se ainda na televisão e no teatro e, uma vez por outra, como actor e dramaturgo.

FILMOGRAFIA
1935: I ragazzi della Via Paal, com Alberto Mondadori (curta-metragem); 1937: Pioggia d'estate; 1949: Al diavolo la celebrità (Ao Diabo Com a Celebridade), com Steno; 1949: Totò cerca casa (Totó Procura Casa), com Steno; 1950: Vita da cani (Vida de Cão), com Steno; 1950: È arrivato il cavaliere!, com Steno; 1951: Guardie e ladri (Polícias e ladrões), com Steno; 1952: Totò e i re di Roma, com Steno; 1952: Totò e le donne (Toto Entre as Mulheres), com Steno; 1953: Le infedeli (Painéis da Vida), com Steno; 1954: Proibito (Proibido); 1955: Un eroe dei nostri tempi (Um Herói dos Nossos Tempos); Totò e Carolina; 1956: Donatella; 1957: Il medico e lo stregone (O Médico e o Charlatão); Padri e Figli (Pais e Filhos); 1958: I soliti ignoti (Gangsters Falhados); 1959: La grande guerra (A Grande Guerra); Lettere dei condannati a morte 1960: Risate di gioia (O Ladrão Apaixonado); 1962: Boccaccio '70, com Vittorio De Sica, Luchino Visconti e Federico Fellini (episódio Renzo and Luciana); 1963: I compagni (Os Companheiros); 1964: Alta infedeltà, com Luciano Salce, Elio Petri e Franco Rossi; 1965: Casanova '70; 1966: Le fate (As Feiticeiras (episódio "Fata Armenia"), com Mauro Bolognini, Antonio Pietrangeli e Luciano Salce; L'armata Brancaleone (O Capitão Brancaleone); 1968: La ragazza con la pistola (A Rapariga da Pistola); Capriccio all'italiana (episódio "La Bambinaia"), com Mauro Bolognini, Steno, Pino Zac, Pier Paolo Pasolini e Franco Rossi; 1969: Toh, è morta la nonna!; 1970: Brancaleone alle Crociate (Uma aventura nas Cruzadas); 1971: Le copie (Os Laços do Matrimónio (episódio "Il frigorifero"), com Alberto Sordi e Vittorio De Sica; La mortadela; 1973: Vogliamo i colonnelli (Queremos os Coronéis); 1974: Romanzo popolare (Romance Popular); 1975: Amici miei ()Oh! Amigos Meus; 1976: Caro Michele; Signore e signori, buonanotte, com Luigi Comencini, Nanni Loy, Luigi Magni e Ettore Scola; 1977: Un borghese piccolo piccolo (O Pequeno Burguês); I nuovi mostri (Os Novos Monstros), com Dino Risi e Ettore Scola; 1979: Viaggio con Anita (Férias com Anita); 1979: Temporale Rosy (Uma Mulher Furacão);1981: Camera d'albergo (Quarto de Hotel); Il Marchese del Grillo; 1982: Amici miei atto II (Oh Amigos Meus, 2ª parte); 1984: Bertoldo, Bertoldino e Cacasenno; 1985: Le due vite di Mattia Pascal; 1986: Speriamo che sia femmina (Oxalá seja Menina!); 1987: I picari (Os Alegres Pícaros); 1989: La moglie ingenua e il marito malato; 12 registi per 12 città (Documentary) (episódio "Verona") 1990: Il male oscuro; 1991: Rossini! Rossini!; 1992: Parenti serpenti; 1994: Cari fottutissimi amici; 1995: Facciamo Paradiso; The Royal Affair; 1996: Esercizi di stile (episódio "Idillio edile"); 1997: I corti italiani (episódio "Topi di appartamento");  1999: Panni sporchi; Un amico magico: il maestro Nino Rota (documentário);2000: Come quando fuori piove  (Minisérie tv) (3 episodes); 2001: Un altro mondo è possibile (documentário); 2002: Lettere dalla Palestina (documentário); La primavera del 2002 - L'Italia protesta, l'Italia si ferma (documentário); 2003: Firenze, il nostro domani (documentário); Lettere dalla Palestina (documentário); 2006: Le rose del deserto; 2008: Vicino al Colosseo c'è Monti (curta-metragem); 2010: La nuova armata Brancaleone (curta-metragem).

Principia Prémios: Oscars (nomeado melhor Argumento, com Casanova '70 (1965) e I compagni (1963); Avellino Neorealism Film Festival, Laceno d'Oro (Melhor Filme) I compagni (1963); Festival de Berlim (nomeado e vencedor em 1957, 1976, 1981, 1994); Festival International de Audiovisual de Biarritz  (2000); Festival de Cannes (nomeado em 1985, 1977, 1973, 1966, 1952); David di Donatello, Itália (nomeadoe vencedor em 2005, 1992, 1990, 1986, 1977); Festival de Moscovo, 1999; Festival de San Sebastian , 1965, 1958; Festival de Veneza, 1991, 1985, 1959.



UM GRANDE ACTOR CÓMICO:
TOTÒ ou ANTONIO DE CURTIS (1898-1967)

Totò é considerado unanimemente o maior actor cómico italiano e, seguramente, um dos maiores a nível mundial. Nascido a 15 de Fevereiro de 1898, em Nápoles, Itália, Antonio Clemente era filho de Anna Clemente e de pai desconhecido. Mas, segundo o próprio actor, e mais tarde reconhecido legalmente, o seu pai foi Giuseppe De Curtis, filho do importante marquês De Curtis, que, todavia, se terá sempre oposto aos amores do filho com a bela, mas muito popular Anna, impedindo o casamento.
Exuberante e pouco dado aos estudos, Antonio Clemente cedo deixou a escola, passou por vários empregos até se aproximar do teatro, sua grande paixão. Terá sido ainda muito jovem que, numa mais acalorada luta com alguém da sua idade, terá levado um murro que lhe desviou para sempre o septo nasal. Entre 1913 e 1914 estreia-se no teatro, com o pseudónimo de Clerment. Entretanto, durante a I Guerra Mundial, oferece-se como voluntário, mas, uma vez na frente, finge um ataque de coração que o leva para a rectaguarda. Finda a guerra, regressa ao teatro, passa por companhias onde trava conhecimento com Eduardo e Peppino De Filippo ou Cesare Bixio. Por entre números de variedades e canções, Antonio adquire certa notoriedade. Em 1927, integra a companhia de operetas e revistas Achille Maresca, realizando grandes tournées. A crítica começa a referenciá-lo como o “cómico grotesco” que se destaca nos palcos italianos. Estreia-se como o nome de Totò, em Padova, na peça “Madama Follia”. Por essa altura, 1928, o pai, o já marquês Giuseppe De Curtis, reconhece legalmente a paternidade, algo que foi muito importante para Antonio Clemente, que passa a assinar Antonio De Curtis. Mas, na verdade, a sua designação completa passa a ser (e leia-se em italiano que tem mais sabor): Antonio Griffo Focas Flavio Angelo, Ducas Comneno Porfirogenito Gagliardi De Curtis di Bisanzio, Altezza Imperiale, Conte Palatino, Cavaliere del Sacro Romano Impero, esarca di Ravenna, duca di Macedonia e Illiria, principe di Costantinopoli, di Cicilia, di Tessaglia, di Ponto, di Moldavia, di Dardania, del Peloponneso, conte di Cipro e di Epiro, conte e duca di Drivasto e di Duraz.
Totò era já um actor de reputação consolidada no teatro, onde se notavam as características do seu humor muito próprio. Era conhecido como “marioneta desarticulada”. Apaixona-se por uma cantora, Liliana Castagnola, com quem mantém uma ligação amorosa, que acaba por se suicidar. Anos mais tarde, será Diana Bandini Lucchesini Rogliani, espectadora de uma actuação sua no teatro, que se apaixona por Totò. Vivem juntos, têm uma filha, em 1933, casam em 1935. Divorciam-se em 1940. Entretanto, Totò cria a sua própria companhia entre 1932 e 1933 e vive um período de grande glória nos palcos italianos. Em 1937, interpreta "Fermo con le mani!", de Gero Zambuto, a que se segue " Animali Pazzi", de Carlo Ludovico Bragaglia. Mas a carreira de Totò no cinema leva o seu tempo a arrancar. Apenas em 1947, com “I Due Orfanelli", de Mario Mattòli, atinge a glória, que se irá repercutir por uma filmografia de mais de uma centena de títulos.
A sua obra é sobretudo popular. Os seus filmes eram essencialmente para todo o público, mas direccionados a camadas mais plebeias, muito embora as suas origens aristocratas. Mas a faceta napolitana predominou sempre. Raras vezes foi dirigido por grandes cineastas (o que só aconteceu no final da carreira, quando finalmente se reconheceu a grandeza e a originalidade da sua arte), o que nem sempre funcionou mal. Os técnicos competentes permitiram a Totò improvisar, irradiar o seu talento, desenvolver personagens, impor um estilo próprio. Rodava meia dúzia de filmes por ano, quase todos paródias a grandes sucessos cinematográficos internacionais (basta consultar a filmografia em anexo, para se perceber isso) e multiplicava-se em figuras que mantinham uma forma muito particular de actuação. A sua linguagem (o seu linguajar melhor dizendo) era incomparável e o gesticular excessivo invulgarmente expressivo. Recriando personalidades muito populares, Totò nunca deixou, porém, de ser o príncipe da comédia. 

Filmografia essencial / como actor (de um total de cerca de 108 títulos): 1935: Fermo con le mani !, de Gero Zambuto; 1937: Animali pazzi, de Carlo Ludovico Bragaglia; 1940: San Giovanni decollato (O Homem dos Sete Ofícios), de Amleto Palermi e Giorgio Bianchi; 1945: Il Ratto delle sabine (Totó, Professor de Trombone), de Mario Bonnard; 1947: I due orfanelli (Totó, Perdeu a Cabeça), de Mario Mattoli; 1948: Totò al giro de Italia (Totó, Ás do Pedal), de Mario Mattoli; 1948: Fifa e arena (Mulheres, Música e Toiros), de Mario Mattoli; 1949: L'Imperatore di Capri (Totó, Imperador de Capri), de Luigi Comencini; Totò cerca casa (Totó Procura Casa), de Mario Monicelli e Steno; Totò le Moko (Totó Desceu à Cidade), de Carlo Ludovico Bragagli; 1950: Napoli milionaria (Nápoles Milionária), de Eduardo De Filippo; Totò sceicco (Totó Sheik), de Mario Mattoli; Le sei mogli di Barbablù (Totó e o Barba Azul), de Carlo Ludovico Bragaglia; 1950: Totò cerca moglie (Totó Procura Mulher), de Carlo Ludovico Bragaglia; 1950: Totò Tarzan (Totó Tarzan), de Mario Mattoli; 1951: Guardie e ladri (Policias e Ladrões), de Mario Monicelli e Steno; Totò e i re di Roma, de Mario Monicelli e Steno; Totò terzo uomo (Totó Terceiro Homem), de Mario Mattoli; 1952: Totò e le donne (Toto Entre as Mulheres), de Mario Monicelli e Steno; Totò a colori (Totó a Cores), de Steno; 1953: Il più comico spettacolo del mondo (O Mais Cómico Espectáculo do Mundo), de Mario Mattoli; Un Turco napoletano (O Turco Napolitano), de Mario Mattoli; Totò, Peppino e una di quelle (Novo Dia), de Aldo Fabrizi; 1954: L'Oro di Napoli (O Ouro de Nápoles), de Vittorio De Sica, episódio “Il Guappo”; Dov'è la libertà ? (Onde Está a Liberdade?), de Roberto Rossellini; Miseria e nobiltà (Totó Rico e Pobre), de Mario Mattoli; Tempi nostril (Os Nossos Tempos), de Alessandro Blasetti e Paul Paviot; Totò cerca pace (Totó Procura Paz), de Mario Mattoli; 1955: Siamo uomini o caporali (Somos Homens ou Quê?), de Camillo Mastrocinque; Totò e Carolina (Totò e Carolina), de Mario Monicelli; 1956: La Banda degli onesti (Totó e as Notas Falsas), de Camillo Mastrocinque; Totò, Peppino e i… fuorilegge (Totó Fora da Lei), de Camillo Mastrocinque; Totò, Peppino e... la malafemmina (Os Tios da Província), de Camillo Mastrocinque; 1958: La Legge è legge (Totó, Fernandel e a Lei), de Christian-Jaque; I Soliti ignoti (Gangsters Falhados), de Mario Monicelli; Totò nella luna (Totó na Lua), de Steno; Totò a Parigi (Totó em Paris), de Camillo Mastrocinque; 1959: I Tartassati (Totó Contribuinte), de Steno; Arrangiatevi! (Casa Nova...Vida Nova), de Mauro Bolognini; La Cambiale (A Letra), de Camillo Mastrocinque; Totò, Eva e il pennello proibito (Totó em Madrid), de Steno; 1960: Totò, Fabrizi e i giovani de oggi (Totó, Fabrizi e os Meninos de Hoje), de Mario Mattoli; 1960: Chi si ferma è perduto (Totó Torce o Pepino), de Sergio Corbucci; Risate di gioia (O Ladrão Apaixonado), de Mario Monicelli; Signori si nasce (Totó Fidalgo), de Mario Mattoli; 1961: Totò, Peppino e... la dolce vita (Totò e a Doce Vida), de Sergio Corbucci; I due marescialli (Os Dois Carabineiros), de Sergio Corbucci; Sua Eccellenza si fermò a mangiare, de Mario Mattoli; Tototruffa '62 (Totó Vigarista), de Camillo Mastrocinque; 1962: I due colonnelli, de Steno; 1962: Totò contro Maciste (Totó Contra Maciste), de Fernando Cerchio; Totò diabolicus (Totó Diabólico), de Steno; Totò di notte n. 1, de Mario Amendola; Totò e Peppino divisi a Berlino (Totó e Peppino em Berlim), de Giorgio Bianchi; 1963: Il monaco di Monza, de Sergio Corbucci; Gli onorevoli; de Sergio Corbucci; 1963: Totò contro i 4 (Totó Contra Quatro), de Steno; Totò e Cleopatra (Totó e Cleópatra), de Fernando Cerchio; Totò sexy, de Mario Amendola; 1964: Le Belle famiglie, de Ugo Gregoretti; Che fine ha fatto Totò baby?, de Ottavio Alessi; Totò contro il pirata nero, de Fernando Cerchio; Totò de Arabia (Totó da Arábia), de José Antonio de la Loma; 1965: Gli amanti latini, de Mario Costa; La Mandragola (Marido Velho, Mulher Nova) de Alberto Lattuada; Rita, la figlia Americana, de Piero Vivarelli; 1966: Uccellacci e uccellini (Passarinhos e Passarões), de Pier Paolo Pasolini; Le Streghe (A Magia da Mulher), episódio “La Terra vista dalla luna”, de Pier Paolo Pasolini; 1967: Operazione San Gennaro (Golpe de Mestre à Napolitana), de Dino Risi; Il padre di famiglia (O pai de família), de Nanni Loy (não credenciado); Don Giovannini (TV) de Bruno Corbucci; Il Latitante; Il Grande maestro; La Scommessa; Totò a Napoli; Totò Ye Ye; Il Tuttofare (TV), todos de  Daniele de Anza; 1968: Capriccio all'italiana, episódio “Il Mostro della Domenica”, de Steno, e episódio “Che cosa sono le nuvole ?”, de Pier Paolo Pasolini.


A COMÉDIA À ITALIANA 

Filmografia

Esta não é uma filmografia exaustiva da comédia à italiana. Fundamentalmente porque se restringe ao período que vai de 1958 a 1970, sendo que no final da década de 40, inícios da de 50, e depois de 1970 existiram muitas e muito boas comédias à italiana. Mas aproveitámos como base desta listagem uma filmografia referente a estes anos, surgida na obra “Cinema, Gender, and Everyday Space (Comedy, Itailan Style)”, da autoria de Natalie Fullwood, integrada na colecção “Screening Spaces”, da editora Palgrave Macmillan, Nova Iorque, EUA, 2015. Aproveita-se para lembrar que existe uma importante bibliografia sobre o tema, mas interessa ainda citar, pela sua actualidade e exaustiva pesquisa e exposição “C’Era una Volta la Commedia All’Italiana (La Storia,I Luoghi, Gli Autori, Gli attori, i Film”, assinado por Enrico Giacovelli, uma edição Gremese, Roma, Itália, 2015.
A listagem que a seguir se apresenta segue uma ordem alfabética, tendo como referência principal o título original. Entre parêntesis vai o título em português, sempre que a obra foi estreada em salas portuguesas (descobre-se que foi muito adversa a censura portuguesa para a comédia à italiana – quantos filmes não se estrearam!). Finalmente aparece o realizador e o ano de estreia internacional.

(uma filmografia essencial, 1958-1970)

A cavallo della tigre, dir. Luigi Comencini, 1961.
Adua e le compagne, dir. Antonio Pietrangeli, 1960.
Adulterio all'italiana (Adultério à Italiana), dir. Pasquale Festa Campanile, 1966.
Alta infedeltà, dir. Mario Monicelli, Franco Rossi, Elio Petri, e  Luciano Salce, 1964.
L'amore difficile, dir. Alberto Bonucci, Luciano Lucignani, Nino Manfredi e  Sergio Sollima, 1963.
Amore mio aiutami (Ajuda-me, meu Amor), dir. Alberto Sordi, 1969.
Gli Anni ruggenti, dir. Luigi Zampa, 1962.
L'arcangelo (O anjinho), dir. Giorgio Capitani, 1969.
L'arcidiavolo (O Diabo Enamorado), dir. Ettore Scola, 1966.
L’armata Brancaleone (O Capitão Brancaleone), dir. Mario Monicelli, 1966. Arrangiatevi (Casa Nova... Vida Nova), dir. Mauro Bolognini, 1959.
L'attico, dir. Gianni Puccini, 1963.
Audace colpo dei soliti ignoti (Golpe Audacioso), dir. Nanni Loy, 1959.
Le bambole (Quatro Casos de Amor), dir. Mauro Bolognini, Luigi Comencini, Dino Risi e  Franco Rossi, 1965.
La bambolona (A rebolona), dir. Franco Giraldi, 1968.
I basilischi (Os Inativos), dir. Lina Wertmüller, 1963.
Bastaguardarla (Basta olhar...), dir. Luciano Salce, 1970.
Il bell'Antonio (O Belo António), dir. Mauro Bolognini, 1960.
Boccaccio,70 (Boccaccio,70), dir. Vittorio De Sica, Federico Fellini, Mario Monicelli
Il boom (Negócio à Italiana), dir. Vittorio De Sica, 1963.
Brancaleone alle crociate (Uma Aventura nas Cruzadas), dir. Mario Monicelli, 1970.
Brevi amori a Palma di Majorca (Férias em Palma de Maiorca), dir. Giorgio Bianchi,1959.
La bugiarda, dir. Luigi Comencini, 1965.
Capriccio all'italiana, dir. Mauro Bolognini, Mario Monicelli, Pier Paolo Pasolini, Steno e  Pino Zac, 1968.
Il carabiniere a cavallo, dir. Carlo Lizzani, 1961.
Casanova 70 (Casanova 70), dir. Mario Monicelli, 1965.
Certo, certissimo, anzi... probabile (Certo, Certíssimo, ou... Talvez Não), dir. Marcello Fondato, 1969.
La cintura di castità (O Cinto da Castidade), dir. Pasquale Festa Carnpanil. 1967.
Il commissario, dir. Luigi Comencini, 1962.
Il commissario Pepe (O Comissário Peoe), dir. Ettore Scola, 1969.
I compagni, dir. Mario Monicelli, 1963.
I complessi (Os complexos), dir. Luigi Filippo D'Amico, Dino Risi, e  Franco Rossi, 1965.
La congiuntura (Tempos difíceis), dir. Ettore Scola, 1965.
Contestazione generale (Eu Contesto, Tu Contestas, Ele Contesta), dir. Luigi Zampa, 1970.
Controsesso (Colapso), dir. Renato Castellani, Franco Rossi, Marco Ferreri,  1964
Le coppie (Os Laços do Matrimónio), dir. Vittorio De Sica, Mario Monicelli, e  Alberto Sordi, 1970.
Costa azzurra (Costa Azul), dir. Vittorio Sala, 1959.
Crimen (Crime), dir. Mario Camerini, 1960.
La cuccagna, dir. Luciano Salce, 1962.
I cuori infranti, dir. Vittorio Caprioli e  Gianni Puccini, 1963.
Cuori solitari, dir. Franco Giraldi, 1970.
Il diavolo (O diabo), dir. Gian Luigi Polidora, 1963.
Diciottenni al sole, dir. Camillo Mastrocinque, 1962.
Il disco volante, dir. Tinto Brass, 1964.
Il divorzio (O Doce Corpo de Delito), dir. Romolo Guerrieri, 1970.
Divorzio all'italiana (Divórcio à Italiana), dir. Pietro Germi, 1961.
I dolci inganni, dir. Alberto Lattuada, 1960.
Le dolci signore (As Doces Senhoras), dir. Luigi Zampa, 1967.
Domenica é sempre domenica (Domingo é Sempre Domingo), dir. Camillo Mastrocinque, 1958.
La donna é una cosa meravigliosa, dir. Mauro Bolognini, Shuntarô Tanikawa, Pino Zac, 1964.
Dove vai tutta nuda?, dir. Pasquale Festa Campanile, 1969.
Dramma della gelosia (tutti i particolari in cronaca) (Ciúme, ciúmes e ciumentos), dir. Ettore Scola, 1970.
I due nemici (O Melhor dos Inimigos), dir. Guy Hamilton, 1961.
Fantasmi a Roma (Fantasmas de Roma), dir. Antonio Pietrangeli, 1961.
Le fate (As Feiticeiras), dir. Mauro Bolognini, Maria Monicelli, Antonio Pietrangeli e  Luciano Salce, 1966.
Il federale, dir. Luciano Salce, 1961.
Il fischio al naso (Os 7 Andares da Vida), dir. Ugo Tognazzi, 1967.
Frenesia dell'estate, dir. Luigi Zampa, 1964.
Fumo di Londra (Um Italiano em Londres), dir. Alberto Sordi, 1966.
Gastone, dir. Mario Bonnard, 1960.
Il gaucho (O Gaucho), dir. Dino Risi, 1964.
Il giovedi (Dia de Férias), dir. Dino Risi, 1963.
Il giudizio universale (O Último Julgamento), dir. Vittorio De Sica, 1961.
La grande guerra (A Grande Guerra), dir. Maria Monicelli, 1959.
Ieri oggi domani (Ontem, Hoje e Amanhã), dir. Vittorio De Sica. 1963.
L'impiegato (O Empregado), dir. Gianni Puccini, 1959.
L’ immorale (O Imoral), dir. Pietro Germi, 1967.
Femmine di lusso, dir. Giorgio Bianchi, 1960.
lo, io, io ... e gli altri (Eu, eu, eu... e os Outros), dir. Alessandro Blasetti, 1966.
Io la conoscevo bene, dir. Antonio Pietrangeli, 1965.
Italian Secret Service (Serviço Secreto Italiano), dir. Luigi Comencini, 1968.
Un italiano in America (A América dos Meus Sonhos), dir. Alberto Sordi, 1967. Ladro lui, ladra lei (O Grande Vigarista), dir. Luigi Zampa, 1958.
Liolà, dir. Alessandro Blasetti, 1964.
Made in Italy, dir. Nanni Loy, 1965.
Il maestro di Vigevano, dir. Elio Petri, 1963.
Mafioso (O Emissário da Mafia), dir. Alberto Lattuada, 1962.
Il magnifico cornuto (A Eterna Dúvida), dir. Antonio Pietrangeli, 1964.
Il mantenuto, dir. Ugo Tognazzi, 1961.
La marcia su Roma, dir. Dino Risi, 1962.
Il marito (O Inimigo de Minha Mulher), dir. Nanni Loy e  Gianni Puccini, 1958.
Il marito è mio e l'ammazzo quando mi pare, dir. Pasquale Festa Campanile, 1968.
La matriarca (A Matriarca), dir. Pasquale Festa Campanile, 1968.
Matrimonio all'italiana (Matrimónio à Italiana), dir. Vittorio De Sica, 1964.
Il mattatore (O Castigador), dir. Dino Risi, 1960.
Il medico della mutua (Uma carreira sensacional), dir. Luigi Zampa, 1968.
Meglio vedov (A Viúva que não Casou), dir. Duccio Tessari, 1968.
Ménage all'italiana (MénaHc, Italian Style), dir. Franco Indovina, 1965.
La mia signora (A Minha Senhora), dir. Mauro Bolognini, Tinto Brass e Luigi Comencini, 1964.
Una moglie americana (Uma Mulher Americana), dir. Gian Luigi Polidora, 1965.
La moglie del prete (A Mulher do Padre), dir. Dino Risi, 1970.
La moglie giapponese (A mulher japonesa), dir. Gian Luigi Polidora, 1968.
Le monachine (Aquela Endiabrada Freirinha), dir. Luciano Salce, 1963.
Il moralista, dir. Giorgio Bianchi, 1959.
I mostri (Os Monstros), dir. Dino Risi, 1963.
I motorizzati, dir. Camillo Mastrocinque, 1962.
Nell'anno del signore, dir. Luigi Magni, 1969.
Ninì Tirabusciò, la donna che inventò la mossa, dir. Pasquale Festa Campanile, 1970.
I nostri mariti, dir. Luigi Filippo D'Amico, Dino Risi e  Luigi Zampa, 1966.
Oggi, domani, dopodomani (O Homem, a Mulher e o Dinheiro), dir. Eduardo De Filippo, Marco Ferreri e  Luciano Salce, 1965.
L'ombrellone, dir. Dino Risi, 1965.
Omicron, dir. Ugo Gregoretti, 1964.
Operazione San Gennaro (Golpe de Mestre à Napolitana), dir. Dino Risi, 1966.
Le ore dell'amore, dir. Luciano Salce, 1963.
Il padre di famiglia (O pai de família), dir. Nanni Loy, 1967.
Parigi o cara, dir. Vittorio Caprioli, 1962.
La parmigiana, dir. Antonio Pietrangeli, 1963.
La pecara nera (A Ovelha Ranhosa), dir. Luciano Salce, 1968.
Le piacevoli notti (Noites de Outros Tempos), dir. Armando Crispino, Luciano Lucignani, 1966.
Il presidente del Borqorosso Football Club, dir. Luigi Filippo D'Amico, 1970.
Il Prof Dott. Guido Tersilli primaria delta Clínica Villa Celeste convenzio­nata con le mutue (O Malandro da Bata Branca), dir. Luciano Salce, 1969.
Il profeta (O Profeta), dir. Dino Risi, 1968.
Questa volta parliamo di uomini, dir. Lina Wertmüller, 1965.
Questi fantasmi (Dois à Italiana), dir. Renato Castellani, 1967.
Una questione d'onore (Uma Questão de Honra), dir. Luigi Zampa, 1966.
Racconti d'estate (Escândalos na Praia), dir. Gianni Franciolini, 1958.
La ragazza con la pistola (A Rapariga da Pistola), dir. Mario Monicelli, 1968.
Riusciranno i nostri eroi a ritrovare l'amico misteriosamente scompurso in Africa? (Um Italiano em Angola), dir. Ettore Scola, 1968.
Una rosa per tutti (Uma rosa para todos), dir. Franco Rossi, 1967.
Rosalina Paterno, soldato (Um tiro pela culatra), dir. Nanni Loy, 1970.
Satyricon, dir. Gian Luigi Polidoro, 1969.
Lo scatenato (O Animal), dir. Franco Indovina, 1967.
Scusi, lei è favorevole o contrario? (Como casar a nossa filha?), dir Alberto Sordi, 1966.
Se permettete parliamo di donne, dir. Ettore Scolla, 1964
Sedotta e abbandonata (Seduzida e Abandonada), dir. Pietro Germi,1961.
Serafina (Serafina), dir. Pietro Germi, 1968.
Signore & signori (Senhoras e Cavalheiros), dir. Pietro Germi, 1966.
Sissignore (Casamento Sem Núpcias), dir. Ugo Tognazzi, 1968.
Slalom, dir. Luciano Salce, 1965.
La smania addosso, dir. Marcello Andrei, 1963.
Smog (Um Italiano na América), dir. Franco Rossi, 1962.
I soliti ignoti (Gangsters Falhados), dir. Mario Monicelli, 1958.
Il sorpasso (A Utrapassagem), dir. Dino Risi, 1962.
Spara forte, più forte... non capisco (Dispara forte), dir. Eduardo De Filippo, 1966.
Splendori e miserie di Madame Royale, dir. Vittorio Caprioli, 1970.
Straziami ma di baci saziami (Noivado à Italiana), dir. Dino Risi, 1968.
Le streghe (A Magia da Mulher), dir. Mauro Bolognini, Vittorio De Sica, Pier Paolo Pasolini, Franco Rossi e  Luchino Visconti, 1967.
Il successo (Il successo), dir. Mauro Morassi (e Dino Risi, não creditado), 1963.
Tenderly (Uma ingénua muito especial), dir. Franco Brusati, 1968.
Thrilling, dir. Cario Lizzani, Gian Luigi Polidoro, e  Ettore Scola, 1965.
Ti ho sposato per allegria (Casei contigo, por alegria), dir. Luciano Salce, 1967.
Il tigre (O Tigre), dir. Dino Risi, 1967.
Tipi da spiaggia (Tipos de Praia), dir. Mario Mattoli, 1959.
Tre notti d'amore, dir. Renato Castellani, Luigi Comencini, e Franco Rossi, 1964.
I tre volti (As Três Faces de Uma Mulher), dir. Michelangelo Antonioni, Mauro Bolognini, e  Franco Indovina, 1965.
Tutti a casa, dir. Luigi Comencini, 1960.
Vacanze d'inverno (Férias de Inverno), dir. Camillo Mastrocinque, 1959.
Vedo nudo (Vejo Tudo Nú), dir. Dino Risi, 1969.
Il vedovo (O Viúvo Alegre), dir. Dino Risi, 1959.
Venezia, la luna e tu (Veneza, a Lua e Tu), dir. Dino Risi, 1958.
Venga a prendere il caffé da noi (Venha tomar café connosco). dir. Alberto Lattuada, 1970.
Una verqine per il príncipe, dir. Pasquale Festa Campanile, 1965.
Il Vigile (O herói da cidade), dir. Luigi Zampa, 1960.
La visita (Anúncio de Casamento), dir. Antonio Pietrangeli, 1963.
La Fita agra, dir. Cario Lizzani, 1964.
Una vita difficile (Uma Vida Dificil), dir. Dino Risi, 1961.
La voglia matta (Desejo Louco); dir. Luciano Salce, 1962.







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